A companhia do mar

Dantes, quando eu era inconsciente e não tinha medo, esperava por estes dias em que a praia voltava a ser minha e eu podia tomar banho como me dava na gana.

É sempre estranho o primeiro banho de mar sem ser vigiado por um nadador-salvador. Ao longo do Verão habituamo-nos a sermos apoiados e quando esse apoio desaparece somos devolvidos abruptamente à nossa solidão e responsabilidade.

A dependência tem mau nome mas é uma consolação. Dependemos de muitas pessoas mas só raramente temos maneira (ou vontade) de agradecer-lhes.

Habituamo-nos a depender das bandeiras para nos dizer se devemos ou não tomar banho ou nadar. Habituamo-nos às outras bandeiras que nos dizem qual é a zona mais segura para entrar no mar.

Dantes, quando eu era inconsciente e não tinha medo, esperava por estes dias em que a praia voltava a ser minha e eu podia tomar banho como me dava na gana.

Agora é ao contrário. Fico com medo, com medo do mar e com medo da minha capacidade para avaliá-lo como deve ser. Bem sei que é um medo que me protege mas não deixa de ser medo, não me deixa estar à vontade.

Felizmente há os surfistas. Eles e elas conhecem bem a praia e as manias do mar. Nunca respondem torto quando lhes perguntamos como é que está o mar, onde estão os agueiros, qual é o melhor sítio para tomar banho.

Não têm qualquer responsabilidade para connosco mas ajudam-nos à mesma, salvando vidas, impedindo tragédias, vigiando-nos dos cantos dos olhos.

É por isso que passa a sensação de se estar sozinho. A presença dos surfistas reconforta-nos. É preciso o mar estar muito calmo para eu me pôr a nadar sem avistar surfistas — até porque nesses dias não dá para fazer surf.

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