Quando as regras devem ser quebradas

A acção diplomática do ministro Santos Silva e a gestão da concretização do apoio pelo secretário de Estado José Luís Carneiro é de elogiar

A situação de carência e de caos social na Venezuela não é sequer imaginável para quem tem o privilégio de viver em Portugal. A depauperação e até o esgotamento a que aquela população chegou, vítima de um regime ditatorial que vê na degradação das condições de vida da população um meio eficaz de a manter subjugada, devia ser uma prioridade para os países que defendem a democracia e o Estado de direito democrático.

Na Venezuela vive uma imensa comunidade de portugueses e lusodescendentes e essa ligação de nacionalidade e de afecto a Portugal torna ainda mais emocional a preocupação com a situação de extrema fragilidade que aquela população vive. É por isso que é de louvar o que o actual Governo tem feito pelos portugueses e pelos lusodescendentes na Venezuela.

Este trabalho que discretamente tem sido levado a cabo sob a tutela do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e concretizado pelo secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, e que o PÚBLICO divulgou na quinta-feira, tem sido de eficácia diplomática e de enorme importância para a sobrevivência dos portugueses e lusodescendentes na Venezuela.

Não apenas pela capacidade negocial que o ministro demonstrou ao dobrar o regime presidido pelo ditador Nicolas Maduro, conseguindo que o Governo venezuelano indemnizasse os empresários portugueses e criasse condições de operacionalidade às suas empresas, bem como autorizasse o Projecto Rede Portuguesa de Assistência Médica e Social na Venezuela que, em conjunto com a embaixada, os dois consulados-gerais e os oito consulados honorários, vai gerir e canalizar o apoio financeiro para alimentação, assistência médica e medicamentosa aos portugueses e lusodescendentes, através da Associação de Médicos de Origem Luso-Venezuelana (Asomeluve).

A acção diplomática do ministro Santos Silva e a gestão da concretização do apoio pelo secretário de Estado José Luís Carneiro é de elogiar também pela capacidade demonstrada ao longo de três anos em garantir a entrada e a distribuição na Venezuela de apoio financeiro e medicamentoso à comunidade portuguesa e lusodescendente.

A excelência e o mérito desta operação quase clandestina foi tal que ela passou despercebida em Portugal. Santos Silva e José Luís Carneiro resistiram à pressão exercida por personalidades políticas como a líder do CDS, Assunção Cristas, e o eurodeputado do PSD Paulo Rangel, para questionarem o que consideravam o abandono pelo Governo dos portugueses e lusodescendentes.

Um aparente abandono que, agora se verifica, nunca existiu. Como o PÚBLICO revela, ao longo de três anos o Ministério dos Negócios Estrangeiros foi garantindo financiamento através da missão diplomática em Caracas para alimentar e acompanhar a comunidade portuguesa e lusodescendente. Assim como conseguiu canais próprios para assegurar a entrada de medicamentos de forma regular na Venezuela. Uma operação que foi gerida de forma silenciosa, quase clandestina, cá e lá. Com tal êxito que quando foi descoberta pelas autoridades venezuelanas precipitou negociações que possibilitaram a nova fase absolutamente assumida e autorizada pelo regime ditatorial de Maduro.

Dirão os formalistas em matéria de diplomacia que o Governo português — em particular o ministro dos Negócios Estrangeiros e o secretário de Estado das Comunidades — não respeitou as regras das relações internacionais entre Estados e que enganou as autoridades do regime ditatorial da Venezuela. É verdade. Mas ainda bem que o fez. Há momentos em que certas regras devem ser quebradas, sobretudo quando está em causa o bem-estar das pessoas e, mais do que isso, a sua sobrevivência. É por essa razão, pela defesa real do superior interesse dos que integram a comunidade de portugueses e dos lusodescendentes na Venezuela que o Governo está de parabéns, em particular Augusto Santos Silva e José Luís Carneiro.

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