The Gifted, a série de super-heróis que não fecha os olhos aos problemas sociais da América

É mais uma adaptação das histórias eternizadas nas bandas desenhadas de super-heróis da Marvel para os ecrãs de televisão: The Gifted regressa para a segunda temporada e tenta reflectir no seu enredo a perseguição a minorias nos EUA – mas desta vez são os mutantes que estão em fuga.

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Da telepatia à invisibilidade, são vários os poderes retratados na série DR

Entre dezenas de séries em que os superpoderes são protagonistas, The Gifted faz da diversidade e da luta pelas minorias a sua bandeira. A série da Fox e da Marvel, criada por Matt Nix, surge num universo ficcional em que os X-Men desapareceram e em que os mutantes (humanos com superpoderes, concedidos pelo gene X) se vêem obrigados a lutar contra leis cada vez mais restritas que lhes vão retirando o acesso à saúde e à cidadania, atirando-os para a clandestinidade. A segunda temporada de The Gifted estreia-se esta segunda-feira, dia 8, na Fox, e os 13 episódios serão exibidos todas as segundas, às 23h05.

“Uma das coisas que fazemos bem é reflectir a sociedade”, garante o actor britânico Stephen Moyer numa entrevista colectiva num hotel londrino, quando questionado sobre a influência de acontecimentos políticos em The Gifted. “Não há outra forma de se fazer isto numa série sem que seja uma espécie de reflexo do que se passa hoje em dia. Mas também não há maneira de reflectir aquilo que está a acontecer actualmente nos Estados Unidos, porque a realidade muda a cada dois minutos”, brinca o protagonista, sem receio de criticar a Administração norte-americana. Nesta série, Moyer interpreta Reed Strucker, um procurador que prende mutantes, mas passa a defendê-los depois de descobrir que os seus dois filhos têm poderes.

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Reed Strucker, a personagem do actor britânico Stephen Moyer DR

“Acho que é essa a essência dos X-Men quando foram criados há anos; é uma representação daquilo que estava a acontecer no movimento dos direitos civis. Portanto, sejam questões de religião, de raça ou de orientação sexual, os X-Men são um reflexo daquilo que a sociedade é”, assevera Moyer. A diversidade do elenco de The Gifted tem sido, aliás, reconhecida pela crítica e pelos próprios actores: na série há personagens negras, latinas, asiáticas, nativo-americanas e personagens que sofrem bullying ou que lidam com doenças mentais.

Nesta segunda temporada, as questões políticas ganharam força e o compromisso dos produtores é olhar para os dois extremos do espectro narrativo: os mutantes que lutam contra a humanidade e os que acreditam ser possível fazer-se uma aliança com os humanos. A juntar a isso há uma nação norte-americana cada vez mais polarizada, com o aumento de manifestantes de extrema-direita que criam grupos antimutantes e a favor dos direitos humanos (e aqui “humanos” exclui quem tem superpoderes). De um lado há organizações de apoio a mutantes e, do outro, comícios em que os políticos se mostram abertamente contra os mutantes — e dizem ser urgente prendê-los e despojá-los dos seus direitos.

O próprio criador da série, Matt Nix, admite à revista Hollywood Reporter que “não é preciso um olho de lince” para se perceber as semelhanças entre os Serviços Sentinela (os que perseguem os mutantes) e os raides do ICE (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras norte-americano, que têm separado crianças das suas famílias que imigram ilegalmente na fronteira dos EUA com o México).

Na série, tenta-se mostrar essas semelhanças sem ditar o que está certo ou errado. “Expõe-se o assunto, mas não dizemos o que se deve pensar. Mostramos as personagens que existem neste universo, mas não fazemos comentários”, sintetiza Stephen Moyer. “Explicamos porque é que as personagens são como são, em vez de simplesmente dizermos aos espectadores: ‘Isto é errado.’ Deixamos que os espectadores decidam.”

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Lauren Strucker, interpretada pela actriz norte-americana Natalie Alyn Lind DR

A actriz norte-americana Natalie Alyn Lind (a filha mutante da personagem Reed Strucker ), que também fez parte do elenco da série Gotham, da DC Comics, acredita que houve uma transposição para a série daquilo que ela vê acontecer hoje nos EUA: “Há uma categorização das pessoas, uma atribuição de rótulos, sem que lhes seja verdadeiramente dada uma chance de se defenderem.”

Antes de protagonizar o “pai de família” em The Gifted, Stephen Moyer encarnou o vampiro Bill Compton, na série True Blood (HBO). Na entrevista que deu em Londres, o actor britânico refere que The Gifted é facilmente comparável a True Blood, uma série em que os vampiros ficam à margem da sociedade humana, lutando pelos seus direitos.

Uma em muitas

A série produzida por Matt Nix surge numa onda de adaptações das histórias eternizadas nas vinhetas de banda desenhada da Marvel para os ecrãs de televisão: Inhumans, Jessica Jones, Luke Cage, Iron Fist, Legion, O Demolidor, O Justiceiro, Os Defensores, os Agentes S.H.I.E.L.D. — passando grande parte destas séries no Netflix. A produção destas narrativas sobre mutantes parte também da DC Comics, que produz séries como Arrow, Gotham (também da Fox), The Flash, Black Lightning, Krypton, e espera-se ainda a chegada de Titans (renovada para uma segunda temporada ainda antes de se estrear).

Para os dois actores entrevistados, The Gifted difere de todas as outras séries que têm surgido no universo de super-heróis precisamente por se focar nas desigualdades sociais e na ambiguidade das personagens – que não são necessariamente boas ou más, o que é perceptível na origem das suas motivações –, integrando arqui-inimigos e superpoderes na narrativa, mas não se centrando apenas neles. Isso, de resto, não é incomum no universo Marvel — tome-se o exemplo da narrativa em torno de Magneto (que na série se pressupõe ser o pai de Lorna Dane).

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O grupo de resistência Mutant Underground DR

Entre tantas produções do género, pode tornar-se difícil para uma série com muitas personagens e com um enredo que já vai longe da premissa inicial manter a atenção dos espectadores. No arranque da segunda temporada nos Estados Unidos, The Gifted teve menos espectadores do que na estreia da primeira temporada: foram 4,8 milhões de espectadores na primeira temporada (em 2017) e 2,6 milhões na segunda, o que corresponde a uma perda de 45% de audiência entre as duas premières.

A trama da segunda temporada

A série é de super-heróis (ou de superpoderes, já que a fronteira entre quem é herói e quem é vilão é ténue), mas tem a sua dose de drama familiar. Na primeira temporada, a família é precisamente a força que faz avançar o enredo —o casal Reed e Kate (Amy Acker) descobre que os seus dois filhos têm superpoderes (uma espécie de telecinética e manipulação molecular) e vêem-se obrigados a fugir do Governo e a procurar auxílio numa rede de mutantes clandestina (chamada Mutant Underground). No final da temporada, essa rede de mutantes divide-se e as duas facções resultantes passam a estar em guerra entre si.

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Não temendo a sua herança genética, o filho Andy (Percy Hynes White) separa-se então da família e decide juntar-se ao Inner Circle, o exército de mutantes que quer destruir os humanos e que pertence à antiga organização terrorista Hellfire Club.

Tal como na primeira temporada da série, no enredo continuam a existir referências ao ataque de 7/15 (15 de Julho) — em paralelo com o 9/11 (11 de Setembro) — no Texas, em que uma marcha de apoio a mutantes se transformou numa manifestação violenta em que morreram milhares de civis, agravando a repulsa e apreensão pela comunidade mutante. Ainda que nunca tenha sido tornado claro na série, Matt Nix já mencionou em entrevistas que este evento está associado ao desaparecimento dos X-Men do universo ficcional em que decorre The Gifted.

As telepatas irmãs trigémeas Frost – nas bandas desenhadas da Marvel as irmãs são mais do que três clones – funcionam como elemento catalisador no final da primeira temporada e continuam a ser importantes nesta segunda temporada, cuja acção se muda de Atlanta para Washington D.C.

As clones são comandadas por uma nova presença feminina, a poderosa Reeva Payge, interpretada por Grace Byers. A entrada de Reeva, uma mulher negra, dá um novo contexto a todas as discriminações retratadas na série: antes de ser odiada por ser mutante, Reeva diz num dos episódios que já era odiada pela cor da sua pele.

Afastando-se da narrativa base das bandas desenhadas da Marvel e dando um lado mais humano à herança dos superpoderes, continua a ser nestes pormenores que a série tenta transportar para os ecrãs televisivos o espírito de activismo político e de igualdade social que preenche as páginas de quadradinhos dos X-Men.

O PÚBLICO viajou a convite da Fox

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