Um dia parlamentar para lamentar (e um P.S.)

A estúpida divisão esquerda/direita num dos mais sérios problemas do país veio ao de cima.

Portugal é um dos três países com mais baixa taxa de natalidade. Em 2017 nasceram 86.154 crianças, ou seja, 63% do necessário para o equilíbrio geracional (2,1 filhos por cada mulher em idade fértil). Sucessivos inquéritos têm evidenciado, porém, que o desejo das famílias é o de terem pelo menos dois filhos.

As razões para a divergência acentuada entre este desejo e a realidade actual estarão em muitos e diversificados campos, desde os estritamente pessoais de opções, comportamentos e aspirações, até à manifesta dificuldade no domínio laboral e de conciliação de tempos de família e de trabalho, ou ainda no âmbito da habitação e outras condições familiares.

Também temos de perceber que a alteração profunda desta tendência só pode ser conseguida a longo prazo, na medida em que não é possível, em poucos anos, contrariar a inércia que resulta de, mesmo havendo acréscimo do índice de fertilidade, as futuras mães dos próximos 30 ou 40 anos serem bastante menos do que as suas próprias mães.

A sociedade de bem-estar e o futuro do Estado Social dependerão muito do que for a evolução demográfica. Daí a importância de políticas públicas estáveis e geracionais de apoio à natalidade nos domínios fiscal, laboral, social, de rendimentos, e de conciliação de tempos laborais e familiares.

No plano político-partidário há quem com mais convicção, ou mais a reboque ou ainda quase a contragosto, apresente medidas e planos que merecem ser analisados e amplamente discutidos. Claro que, num quadro de política-espectáculo, de orientações guiadas por sondagens e “gostos” virtuais, a miopia estratégica é uma doença endémica. Por isso, o desequilíbrio demográfico é assunto de somenos, que não dá azo a mediáticas conferências às horas dos telejornais. Tem havido honrosas excepções, quer por insistência do CDS, quer do PSD e, na altura, do Presidente Cavaco Silva.

Na passada semana aconteceu uma situação inqualificável na Assembleia da República. O CDS apresentou um conjunto de 27 iniciativas de políticas públicas, com as quais disse procurar favorecer a natalidade. Entre elas destacam-se uma maior diferenciação positiva a partir do terceiro filho no plano da fiscalidade, a consideração do número de filhos nas contas da luz, da água e do gás, a isenção de IVA em todas as creches (e não apenas nas de IPSS), a atenuação do factor de sustentabilidade das futuras pensões dos progenitores com dois ou mais filhos, a adequação dos horários de funcionamento das creches aos horários dos pais, etc.

Medidas que, na concordância ou na discordância, deveriam ter merecido um debate sério e aprofundado. Mas não. PS, PCP e BE trataram de chumbar, sem apelo nem agravo, todas – repito, todas – as medidas, com argumentos vazios. Só um exemplo para o demonstrar: “não há uma proposta que belisque os interesses dos grupos económicos e do patronato”, disse, impante, uma deputada comunista!

É nefasto o maniqueísmo de quem nada vê de positivo no lado direito do hemiciclo e se acha detentor da verdade. Vem da direita? Chumbe-se, ponto final. “O CDS é apenas amigo de algumas famílias”, disse sem corar o deputado Galamba. Ele e seus colegas de bancada é que são amigos de todas as famílias. O preconceito destrutivo, a estreiteza de quem só vê a política do dia seguinte, a estúpida divisão esquerda/direita num dos mais sérios problemas do país vieram ao de cima num dia de maioria parlamentar para lamentar. Mas não haveria uma única medida (algumas tão anódinas como a criação do Portal da Família ou um Programa para os Tempos Livres das Crianças), um único ponto, uma só consideração que merecesse o respeito democrático de o discutir seriamente e não o chumbar em jeito de carniceiro legal? Uma vergonha!

Este é um assunto que deveria estar acima dos partidos e para além de eleições, através de um verdadeiro pacto de regime. Há certamente boas medidas vindas de todos os partidos. Bem sei que estes temas não interessam mediaticamente. São “chatos”, quando confrontados com uma actualidade dominada imperialmente pelo crime, futebol e outras notícias de total irrelevância e futilidade. Aliás, este chumbo integral e preconceituoso revela, implicitamente, um desprezo relativo pela vida nascente. Discute-se febrilmente a morte, assistida ou desistida, o aborto voluntário com direito a licença e subsídio. Isto tudo, sim, é que é modernaço e de esquerda. Tudo o resto é para esquecer. Pobre futuro!

O Inverno demográfico prossegue silenciosa e inexoravelmente. Um péssimo serviço prestado às novas gerações. E a Portugal.

P.S.: No país das Web Summit, houve um sorteio (electronicamente banal) entre A e B. Só à quarta saiu B, depois de três erros (com ou sem aspas)! Um algoritmo errado ou um erro algoritmado? E se tivesse saído A, o que diriam dos mesmos três erros certas personagens? E nós sem sequer termos o direito de saber que raio de erro encravou o sorteio! Mais valia moeda ao ar... que nunca dá erro.

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