Um curador cuida dos artistas

A curadora Suzanne Cotter comentou numa entrevista que nos deu recentemente que é normalíssimo uma artista como Joana Vasconcelos dizer à directora do Museu de Serralves, cargo na altura ocupado pela australiana, que gostava muito que a sua exposição organizada pelo Museu Guggenheim de Bilbau fosse ao Porto. Cotter descreveu uma conversa agradável, com cumprimentos mútuos, que terá terminado com a promessa de se manterem em contacto. É legítimo pensar que Joana Vasconcelos foi fazendo isso mesmo e que a directora de Serralves foi sendo informada sobre o trabalho da artista. É também legítimo imaginar Suzanne Cotter a visitar o atelier de Joana Vasconcelos em Alcântara, situado junto ao rio Tejo em Lisboa, e a ver o que anda a fazer uma das mais famosas artista plásticas nacionais, com uma visível presença internacional.

É esse o trabalho de um curador, de um crítico, de um director de um museu, de um coleccionador: visitar as exposições que os artistas fazem, acompanhar o que eles produzem, dentro e fora de portas. Ouvem os artistas, falam com eles, cruzam-se em feiras, galerias, trocam ideias, problematizam questões. Em última análise, crescem juntos. Há curadores que gostam mais de um determinado artista, outros que gostam mais de outro. Quem ama perdidamente Helena Almeida pode não ter a mesma paixão por Paula Rego, mas reconhece facilmente que a segunda é também uma “boa” artista. Um curador não terá grandes dificuldades em fazer exposições memoráveis com estas duas mulheres.

E aqui chegamos à visita que fizemos ao atelier de Joana Vasconcelos em Fevereiro, quando a exposição I’m Your Mirror foi apresentada aos jornalistas, numa espécie de preview de Bilbau, em que pudemos ver quase terminada a peça que dá título à exposição — uma máscara veneziana feita com 462 espelhos, com 3,5 metros de altura e quase sete metros de comprimento. Digamos, apenas, que Joana Vasconcelos não está no seu melhor momento e ela já teve momentos bem interessantes (com A Noiva e Wash and Go, ambas peças da Colecção Cachola).

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Exposição de Joana Vasconcelos em Bilbau LUIS TEJIDO/EPA

Um curador serve, como dissemos, para desafiar os artistas e, através do seu trabalho, que implica também pensar nos layouts expositivos, fazer sobressair o melhor das várias obras. Nem sempre conseguem e há exposições que são prejudicadas pela montagem. É também disso que fala o comunicado de João Ribas, o director que se demitiu de Serralves, a propósito do que descreve como as interferências da administração na exposição dedicada a Robert Mapplethorpe.

Um curador deve também proteger os artistas — parafraseando uma peça de Jenny Holzer, Protect Me From What I Want — e há alturas em que estes podem não estar prontos para fazer uma exposição.

Cabe também a uma direcção de um museu projectar a própria instituição. Não é fácil dizer que não a uma colaboração com o Museu Guggenheim, mas há parcerias que dão mais frutos do que outras.

Uma instituição como Serralves também tem que lutar para que seja ela a produzir novos discursos sobre os artistas que têm relevância para o contexto nacional. Porque é que a Fundação de Serralves há-de importar uma exposição sobre Joana Vasconcelos e não ser o seu próprio museu a reflectir sobre a artista? Um museu é um espaço de investigação, de produção de conhecimento, e é importante perceber o papel de Joana Vasconcelos num século XX português em que a produção artística no feminino é de uma qualidade excepcional. Sem pressas. Acho que seria relevante para Joana Vasconcelos e para o Museu de Serralves.

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