Contestação à venda da Confiança já extravasa os limites de Braga

A Assembleia Municipal decide, nesta quinta-feira, se dá seguimento à alienação do edifício. Forças políticas e cívicas da cidade têm-se manifestado e já fizeram chegar as suas posições à Assembleia da República e à UNESCO.

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Nelson Garrido

A venda do edifício que acolheu a fábrica Confiança, já quase centenário – foi inaugurado em 1921 – vai, na noite desta quinta-feira, ser submetido a votação na Assembleia Municipal, depois da maioria PSD/CDS-PP/PPM no executivo municipal ter aprovado a alienação do imóvel por 3,9 milhões de euros, na reunião de Câmara de 18 de Setembro.

A sessão está, porém, envolta num ambiente de contestação, quer política, quer cívica, que já extravasou as fronteiras do concelho e promete continuar. A plataforma Salvar a Fábrica Confiança, que reúne 18 instituições de Braga, apresentou, na terça-feira, uma queixa à UNESCO. Um dos promotores do movimento, Luís Tarroso Gomes, afirmou ao PÚBLICO que a cidade não pode querer ostentar títulos da UNESCO em alguns casos - foi nomeada Cidade Criativa para as artes multimédia, em 31 de Outubro de 2017 e candidatou o Bom Jesus do Monte a Património Mundial – e negligenciar o património noutros, colocando até em risco a obtenção do estatuto de Capital Europeia da Cultura, em 2027.

O dirigente associativo realçou também que as condições que a autarquia impõe para futuras obras desrespeitam os Princípios de Dublin, já que não garantem as “intervenções reversíveis, de conservação, e as adaptações mínimas” para os edifícios industriais, previstas no documento aprovado pelo ICOMOS, em 2011. O caderno de encargos da autarquia para o edifício impõe a preservação de três fachadas e ainda a criação de “espaços interpretativos que evoquem e celebrem o passado da fábrica, através de imagens, espólio e produtos associados”.

A oposição à venda da Confiança também já está na Assembleia da República. Os deputados Pedro Soares e Jorge Campos, do Bloco de Esquerda (BE), enviaram, em 30 de Setembro, uma pergunta a questionar o Ministério da Cultura se tem conhecimento da intenção de venda da Confiança pela Câmara de Braga, se considera a venda um “grave atentado ao património cultural urbano” da cidade e se há medidas ao alcance do Governo para manter o imóvel na esfera pública.

À espera de uma resposta num prazo máximo de três semanas, a deputada bloquista na Assembleia Municipal, Alexandra Vieira, salientou que a Câmara “não está a salvaguardar o último testemunho industrial de Braga” – o edifício da Confiança insere-se num antigo bairro industrial, em que as restantes fábricas, dedicadas à chapelaria, já caíram.

Protestar às portas da fábrica

O partido ao qual pertence Alexandra Vieira organizou na noite de terça-feira, em conjunto com o PS e com a CDU, uma manifestação às portas do edifício da Confiança, que contou com mais de 100 pessoas. Alguns dos presentes aproveitaram para expor o seu ponto de vista, num momento que, para a deputada bloquista, serviu para mostrar que a democracia é algo mais do que votar nas urnas, de quatro em quatro anos. “Quando os cidadãos sentem os seus direitos, os seus patrimónios, as suas paisagens em risco, há sempre formas de exercerem pressão sobre quem está no poder”, reiterou.

Um dos presentes foi Álvaro Gomes, tipógrafo da Confiança entre 1968 e 2016 e que trabalhou naquele edifício até 2002, ano em que a produção da empresa fundada em 1894 se deslocou para um parque industrial nos arredores da cidade. O operário recordou com saudade os anos de trabalho com rótulos e embalagens, nomeadamente as festas de Natal, onde se entregavam os presentes aos filhos dos operários. Álvaro também diz recordar-se bem dos filmes que lá eram exibidos, para os operários e para os moradores da zona envolvente. “O cinema ainda durou muitos anos depois de eu ter entrado. O pessoal costumava encher o salão de festas, com mais de 200 lugares sentados”, recordou ao PÚBLICO.

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