Fica para a próxima

Já a monte gozo a euforia da evasão. Fugir a uma má refeição é como dançar com o diabo: tem-se uma breve impressão do inferno sem sofrer o castigo eterno de lá comer. Escapei de boa.

Marca-se uma mesa numa marisqueira onde nunca se foi. Depois aparece-se. São uma e meia dum domingo quente no Algarve. As mesas estão todas vazias.

Desconfia-se. “Não há mais ninguém?” “É do calor”, respondem. “Mas aqui está fresquinho...” E aí vem a resposta errada: “Os nossos clientes gostam mais de vir jantar. Ao almoço está sempre muito calminho.”

Antes de nos sentarmos vamos ver o mostruário. De peixe há um rabo de garoupa e, deitado em cima dele, como um trapo, está um linguado tão seco que se diria estaladiço.

As gambas não são do Algarve, embora sejam cobradas como “camarões e gambas da nossa costa”, sem dizer se é da costa algarvia, da costa portuguesa ou da costa mundial. Estão semicongeladas, ao lado de uma torre de sapateiras.

Nós os observadores estamos a ser intensamente observados, pelas duas empregadas e agora pela cozinheira. Olho para a cara dela. Nem sorri. Não pode soletrar “Fuja”, mas consegue ser amiga, indicando-me com a impassividade dela que será melhor escolher outro restaurante para almoçar.

“Vão almoçar aqui ou lá fora?”, insiste uma empregada. Apetece responder “Nem uma coisa nem outra”, mas digo: “Afinal não vamos almoçar aqui, desculpe.” Consigo evitar a velha patranha do “Fica para outra altura” com a qual eu, quando era mais novo e cobarde, disfarçava as minhas retiradas.

Já a monte gozo a euforia da evasão. Fugir a uma má refeição é como dançar com o diabo: tem-se uma breve impressão do inferno sem sofrer o castigo eterno de lá comer. Escapei de boa.

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