Elites empresariais do Brasil apoiam Bolsonaro

Alguns vêem Bolsonaro como a alternativa menos má numa eleição que se está a tornar num duelo entre a extrema-direita e a extrema-esquerda.

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Jair Bolsonaro com Paulo Guedes Sergio Moraes/Reuters

A classe empresarial do Brasil está a torcer silenciosamente pelo candidato presidencial de extrema-direita Jair Bolsonaro (que está a concorrer para o mais alto cargo do país), por estar receosa do regresso da esquerda ao poder na maior economia da América Latina.

A moeda do país e os mercados de acções têm recuperado, juntamente com os números de Bolsonaro nas sondagens.

Bolsonaro é um congressista radical, mais conhecido pelos seus ataques verbais contra os homossexuais e afro-brasileiros do que o seu apoio ao mercado livre. Com uma carreira legislativa de mais de 27 anos, tem votado continuamente para preservar monopólios pertencentes ao Estado e contra a reforma do sistema público de pensões.

Mas o homem que escolheu para conselheiro económico, Paulo Guedes, um banqueiro formado na Universidade de Chicago, é bom o suficiente para muitos investidores e empresários. Alguns vêem Bolsonaro como a alternativa menos má numa eleição que se está a tornar num duelo entre a extrema-direita e a extrema-esquerda.

Especialistas em sondagens prevêem uma segunda volta entre Bolsonaro e o antigo presidente da câmara de São Paulo, Fernando Haddad, candidato do partido de esquerda Partido dos Trabalhadores (PT), que tem ganhado relevo nas sondagens. Muitos economistas culpam as políticas do PT, que governou o Brasil ao longo de grande parte dos últimos 15 anos, de terem provocado uma crise profunda no Brasil e cujos vestígios ainda pesam na economia.

Luciano Hang, proprietário da cadeia de lojas privada Havan, é um dos poucos executivos a apoiar Bolsonaro abertamente, cuja absoluta admiração pela antiga ditadura militar do Brasil e frequente denigração das mulheres e minorias tem afastado uma boa parte do eleitorado.

Ainda assim, Hang estima que “mais de 80%” das 300 pessoas que fazem parte do conselho empresarial a que pertence apoiam Bolsonaro, uma vez que os candidatos mais moderados da eleição presidencial começam a desvanecer-se.

“Empresários e empreendedores por todo o Brasil, em todos os segmentos do público, apoiam Bolsonaro e irão fazer campanha por ele”, disse Hang.

A aceitação crescente de Bolsonaro entre as elites empresariais do Brasil mostra como o cenário político polarizado está a fazer os eleitores moderados optarem pelos extremos e como uma corrida eleitoral imprevisível afecta a estabilidade dos mercados. A instabilidade já provocou o abrandamento dos mercados de Fusões e Aquisições e o de Oferta Pública Inicial, o que provocou a descida do valor do real, a moeda do país, que atingiu valores recorde face ao dólar.

Bolsonaro está em primeiro lugar entre os 13 candidatos presidenciais que irão participar na primeira volta das eleições, marcada para 7 de Outubro, com 27% das intenções de voto, de acordo com uma sondagem feita na semana passada pela empresa de pesquisa Ibope.

Mas ainda não se sabe se sairá vencedor. Se nenhum candidato obtiver a maioria na primeira volta, como está previsto, os dois candidatos mais votados irão defrontar-se numa última volta a 28 de Outubro. A mesma empresa prevê que Bolsonaro irá perder contra Haddad por uma diferença de 4%.

Fernando Haddad, economista, tem reunido com investidores importantes para acalmar os receios de um regresso do PT ao poder. Conhecido pelo seu ar erudito e calmo, Haddad tem enfatizado as suas posições ortodoxas em relação à inflação, taxas de câmbio e défice.

Porém, admitiu que poria de parte as reformas trabalhista e de previdência, propostas pelo impopular Presidente Michel Temer. E já deixou claro que a sua administração iria gerir a empresa controlada pelo estado Petróleo Brasileiro SA, ou Petrobras, e que esta funcionaria como um veículo para o desenvolvimento e abandonaria a venda do negócio de aviões comerciais da Embraer à Boeing Co. Haddad publicou recentemente no Twitter que o mercado era “uma entidade abstracta que aterroriza o público.”

Superministro

Entretanto, os empresários admiradores de Bolsonaro vêem a sua escolha como uma razão para ignorar a retórica divisiva do candidato, as suas tendências autoritárias e as opiniões sempre em mudança sobre a economia do Brasil. Por exemplo, Bolsonaro sugeriu uma vez que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso fosse abatido por privatizar empresas governamentais, incluindo a mineira Vale.

Em contraste, Guedes, actualmente presidente da empresa de gestão de activos Bozano Investimentos, é um defensor fervoroso da privatização da Petrobras e do Banco do Brasil, controlado pelo Estado.

Se for eleito, Bolsonaro prometeu transformar Guedes num superministro, encarregue das finanças, planeamento e trocas, com liberdade para estabelecer políticas económicas.

Guedes teve várias reuniões com bancos de investimento, chefes de empresas e investidores internacionais para os convencer a juntarem-se a Bolsonaro. O banqueiro também reuniu com membros do Ministério das Finanças pelo menos três vezes numa tentativa de demonstrar a intenção de dar continuidade à agenda reformista de Temer, incluindo mudanças ao sistema de pensões insolvente do país. 

“Definitivamente, Paulo Guedes dá credibilidade à candidatura de Bolsonaro”, disse Cláudio Pacini, presidente do comércio de acções brasileiras na corretora norte-americana INTL FCStone, em Miami. “Juntamente com o receio da ascensão da esquerda, as duas coisas jogam a favor de Bolsonaro.”

Aliança frágil?

Mas alguns questionam quanto tempo durará a parceria entre Bolsonaro e Guedes, mesmo que o candidato seja eleito.

“Bolsonaro foi recentemente convertido ao liberalismo pró-mercado – não é o que defende, nunca foi”, disse Mónica de Bolle, directora dos Estudos Latino-americanos da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington D.C..

Tais dúvidas intensificaram-se quando, no mês passado, Guedes propôs ressuscitar um imposto sobre transacções financeiras pouco popular, para aumentar a receita. Esta ideia foi rapidamente reprovada por Bolsonaro, que estava no hospital em recuperação. Foi esfaqueado por um atacante num comício no mês passado; saiu entretanto do hospital mas continua convalescente. Guedes cancelou pelo menos duas presenças públicas pouco tempo depois, alimentando os rumores de que teria sido eficazmente “amordaçado” pela campanha.

Guedes recusou comentar a divergência. Mas de Bolle, da Johns Hopkins, prevê turbulência. “Parece ser óbvio que Paulo Guedes não iria durar no governo de Bolsonaro”, disse.

Muitos questionam também se Bolsonaro seria capaz de governar eficazmente, se fosse eleito. Em quase três décadas no Congresso, não elaborou qualquer legislação importante. A formação política que o apoia, o Partido Liberal Social, o nono partido a que Bolsonaro pertenceu, tem apenas alguns votos na legislatura. Teria de criar alianças com outros partidos para conseguir fazer alguma coisa, uma tarefa na qual tem pouca experiência.

“O governo está falido e Bolsonaro não tem aliados para poder promover cortes orçamentais, e nem sequer tem historial de o fazer”, disse um banqueiro veterano de uma das maiores credoras do Brasil.

Para a comunidade empresarial, disse este banqueiro, o voto para Bolsonaro é uma escolha entre “mau e muito mau.”

Reuters; Com Marcela Ayres e Christian Plumb

Tradução de Ana Silva

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