Descapitalização do fundo dos CTT já custou 985 milhões ao Estado

Entre os fundos de pensões transferidos para a CGA há cinco que já se extinguiram e 13 que, embora ainda capitalizados, podem não chegar para pagar todas as pensões até ao fim.

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NELSON GARRIDO

A reserva criada em 2003 com a transferência do fundo de pensões dos CTT para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) esgotou ainda mais cedo do que estava previsto e já obrigou o Estado a entrar com mais 985 milhões de euros nos últimos oito anos para pagar as pensões pelas quais ficou responsável. Este é um cenário que se pode repetir, em diferentes medidas, com os outros fundos de pensões de empresas públicas transferidos entretanto para o Estado.

Entre 1998 e 2015 foram criadas na CGA, com os fundos de pensões que os diversos governos transferiram, reservas financeiras especiais relativas a 17 empresas públicas, algumas das quais entretanto privatizadas. O objectivo destas reservas é, desde o início, rentabilizar ao máximo o dinheiro aí colocado e ir pagando as pensões que passaram a ser responsabilidade do Estado no momento da transferência dos fundos. Em princípio, o dinheiro aí colocado, em resultado das transferências feitas pelas empresas para a CGA, deveria chegar para fazer face a todas as responsabilidades assumidas pelo Estado com o pagamento das respectivas pensões. No entanto, na realidade isso está longe de estar garantido.

Em cinco casos, as reservas até já se esgotaram, ficando desde logo provado que o dinheiro transferido foi insuficiente. É o caso dos fundos de pensões associados aos CTT, BNU, Macau, Indep e Militares. Isso fez com que, no total, entre 2011 e 2017, o Estado, através de fundos próprios da CGA ou de transferências do Orçamento do Estado, tenha tido de suportar despesas com pensões no valor de 1268 milhões de euros, mostra o parecer da Conta Geral do Estado de 2017 publicado pelo Tribunal de Contas.

O fundo dos CTT, transferido em 2003, quando Durão Barroso era primeiro-ministro e Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças, é de longe o que maior impacto teve nas contas públicas. A reserva, que inicialmente era de 1031 milhões de euros esgotou-se logo passados sete anos, em 2010, e desde esse momento até agora, o Estado já teve de entrar com 985 milhões de euros adicionais para pagar as pensões devidas, mostram os dados apresentados ao PÚBLICO pelo Ministério da Segurança Social.

No caso dos CTT, uma empresa entretanto privatizada, foi logo assumido pelo Governo da altura (que usou a receita para tentar manter o défice público abaixo de 3% em 2003) que o fundo transferido se encontrava descapitalizado. E numa auditoria realizada em 2005, muito crítica em relação às transferências de fundos de pensões, o Tribunal de Contas estimava em quase 2000 milhões de euros esse buraco.

A verdade é que, passados 13 anos, há sinais claros de que mesmo essa auditoria pode ter traçado um cenário demasiado positivo no que diz respeito ao nível da descapitalização do fundo. O Tribunal de Contas estimava nessa altura que a reserva se esgotaria no decorrer do ano de 2015, mas a verdade é que, num cenário de crise económica nacional e internacional, com dificuldades em manter rendibilidades elevadas, a reserva acabou por se esgotar cinco anos antes.

Na CGA há agora 13 reservas especiais ainda com fundos disponíveis num valor total de 5298 milhões de euros. O destaque pelo seu volume vai para as reservas que resultaram da transferência dos fundos de pensões da CGD, realizada em 2004, pelo Governo liderado por Santana Lopes, e da transferência dos fundos de pensões da PT, realizada em 2011 pelo Governo liderado por José Sócrates.

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No caso da CGD, o valor actual da reserva é de 1762 milhões de euros, o que representa 70,4% do valor total inicialmente transferido e que foi de 2504 milhões de euros. A reserva está longe de se esgotar, mas mais uma vez, há razões para duvidar que o dinheiro chegue para pagar todas as pensões até ao fim sem recurso ao Orçamento do Estado.

O problema é que, no momento da transferência, a taxa de desconto utilizada para estimar os níveis de rendibilidade que poderiam vir a ser obtidos ao longo dos anos foi de 5%, um valor que a realidade tem vindo a mostrar ser alto demais, fazendo com que o dinheiro transferido para o Estado se revele insuficiente. Em 2005, o Tribunal de Contas até optou por uma medida mais prudente (taxa de desconto de 4%), mas mesmo assim, a evolução que então antecipou está longe do que entretanto ocorreu.

Os cálculos do Tribunal de Contas apontavam para que, em 2014, o valor do fundo se cifrasse em 2749 milhões de euros, mas afinal, nesse ano, já só era possível encontrar na reserva 1929 milhões de euros, o que aponta para a existência nessa altura de um “buraco” de mais de 800 milhões de euros face ao cenário traçado pelo tribunal.

No caso do fundo de pensões da PT, cuja transferência foi feita no início de 2011 no valor de 2418 milhões de euros, não há estimativas feitas pelo Tribunal de Contas, uma vez que a última auditoria específica feita sobre esta matéria data de 2005. Para já, de acordo com os dados da CGA, a reserva tinha no final de 2017 um valor de 2519 milhões de euros, ou seja, mais do que tinha inicialmente.

Isso não assegura, no entanto, que o dinheiro chegue no futuro para fazer face a todas as responsabilidades. O fundo da PT, ao contrário do que acontece por exemplo com a banca, ainda tem contribuintes activos, que nesta fase, ajudam a alimentar o fundo, mas que quando se reformarem irão penalizá-lo. E a taxa de desconto utilizada no cálculo da transferência foi de 4%, um valor que, estando em linha com aquilo que se praticava em 2011, actualmente é considerado demasiado optimista.

Questionado sobre a existência de estimativas actualizadas em relação à evolução das reservas e aos potenciais custos a assumir pelo Estado no futuro, o Ministério das Segurança Social não apresentou novas projecções sobre esta matéria, limitando-se a afirmar que “a CGA não prevê, a curto prazo, que se esgote qualquer uma das restantes reservas”.

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