“Não queremos privatizar os museus nem transformá-los em empresas”

Ministro da Cultura explicou novo projecto na Assembleia da República e disse que este é um processo e uma reflexão que estão ainda em curso.

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Luís Filipe Castro Mendes José Coelho/ Lusa

A questão da eventual empresarialização e do grau de autonomia dos futuros directores dos museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos marcou a audiência que na manhã desta quarta-feira levou o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, à Assembleia da República, na sequência de um requerimento apresentado pelo CDS-PP.

“Não queremos privatizar os museus nem transformá-los em empresas”, disse, mais do que uma vez, o ministro da Cultura, respondendo a interpelações dos diferentes partidos representados na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Numa sessão presidida pela deputada socialista Edite Estrela, Castro Mendes lembrou também que o documento que actualmente se encontra em debate público, principalmente junto de responsáveis e de organismos do sector, continua “em fase de consulta” e que não se trata ainda do projecto de decreto-lei que pretende levar a conselho de ministros no próximo mês de Novembro, para entrar em vigor “até ao fim da legislatura”.

A citada proposta, que foi apresentada em Junho aos directores de museus e organizações do sector, visa criar um novo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus e outros organismos sob a dependência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e das Direcções Regionais de Cultura (DRC). E Castro Mendes pôs a tónica numa “mudança de paradigma” que resultará numa “maior autonomia” das direcções, mas dentro do quadro legal e financeiro existente.

Respondia assim a perguntas de deputadas como Teresa Caeiro (CDS), que iniciou a interpelação, e Margarida Mano (PSD), que criticaram a actuação do Ministério da Cultura (MC) nos últimos três anos. Mas também a Luís Monteiro (Bloco de Esquerda) e a Ana Mesquita (PCP), que enfatizaram o receio e os riscos de “empresarialização” do sector na sequência do novo documento.

Teresa Caeiro começou, de resto, por questionar o ministro sobre os critérios da constituição das novas “unidades orgânicas”, e acusou-o de ter apresentado “ideias contraditórias”, confrontando-o mesmo com a gravação de uma anterior intervenção sua no Parlamento em que defendia a criação de uma empresa estatal com autonomia financeira e administrativa. Na resposta, Castro Mendes corrigiu-se a si próprio: “Eu queria dizer instituto público; mas esse projecto foi depois posto de lado”, disse, alegando que isso implicaria uma reforma administrativa geral que não está no programa do actual governo.

Autonomia de gestão e não financeira

O projecto de reforma do sector – explicou o ministro – mantém, por isso, a dependência dos museus, palácios e monumentos relativamente à DGPC e às DRC, mas com uma delegação genérica de competências nos directores, que ficará consagrada nos contratos-programa. “Estamos a falar em autonomia de gestão e não em autonomia financeira”, reforçou Castro Mendes, adiantando que os responsáveis das futuras unidades orgânicas poderão mais facilmente “cumprir as suas metas e objectivos, e os serviços dependentes ganham na possibilidade de recorrer a receitas próprias”. Mas isso acontecerá apenas até um determinado tecto, para salvaguardar “o princípio de solidariedade, já que os excedentes serão distribuídos pelas unidades deficitárias”.

Neste sentido, Castro Mendes contestou a reivindicação de um NIF [Número de Identificação Fiscal] para cada unidade, por achar que isso “em nada adiantaria a unidades orgânicas que não têm receitas suficientes para suportar as suas próprias despesas”.

Citando reservas surgidas sobre a abertura dos concursos a candidatos de outros países, o ministro defendeu que tal medida “reforça a concorrência” e vem “rejuvenescer” os quadros de pessoal. Mas ressalvou que, além da competência museológica, os cadernos para esses concursos internacionais salvaguardarão a necessidade de conhecimento da realidade histórica do país e do museu em causa, nunca, no entanto, numa “perspectiva nacionalista”.

Sobre o calendário e as repercussões do novo regime nas direcções actuais dos museus, Castro Mendes explicou que os concursos já terminados irão continuar em vigor e os directores concluirão os seus mandatos, mas que os que se encontram em gestão corrente ou em regime de substituição serão substituídos quando o novo decreto-lei entrar em vigor.

À espera de respaldo orçamental

O governante respondeu ainda às perguntas de vários deputados sobre o suporte orçamental que o MC terá para levar por diante o novo regime. “Não é ainda a altura de falar em orçamento, mas é claro que esperamos um bom financiamento” no próximo OE, já que “sem respaldo orçamental nada disto funcionará”, realçou.

Quase no final da audição, o socialista José Magalhães citou a “apreciação crítica” que um grupo de professores e juristas, encabeçado por Diogo Freitas do Amaral, fez ao projecto de decreto-lei, e que Castro Mendes, de algum modo, desdramatizou. O documento, com data de 2 de Outubro, considera que a anunciada autonomia das novas unidades orgânicas “é escassa, a descentralização não existe” e os contratos “ficam à mercê de critérios desiguais do director-geral ou dos directores regionais”.

O parecer contesta também a associação de alguns organismos, nomeadamente a do Mosteiro dos Jerónimos/Torre de Belém com o Museu Nacional de Arqueologia (MNA), ou a do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) com a Casa-Museu Anastácio Gonçalves, ambos em Lisboa, considerando que essas medidas levariam a uma “subalternização” das instituições historicamente mais relevantes.

Sobre a primeira “unidade orgânica”, Castro Mendes já tinha respondido anteriormente, dizendo que ela tem por base “a história e a identidade portuguesa” e é “um novo desafio” para o riquíssimo acervo museológico instalado por José Leite de Vasconcelos nos Jerónimos.

Apesar do ambiente de grande cortesia que marcou a audição no Parlamento, Castro Mendes acabou por não responder a algumas questões. Nomeadamente, à do deputado bloquista Jorge Campos, sobre se o tal “quadro de fusões” elencado no projecto do MC – e que aponta para 30 unidades orgânicas – sofrera já alguma evolução; ou a do social-democrata José Carlos Barros, sobre o anunciado “projecto-piloto” para o MNAA, que não chegou a avançar.

Recorde-se que o documento apresentado pelo MC em Junho associa o MNAA numa “unidade orgânica compósita” – designação entretanto reduzida a “unidade orgânica”, salientou o ministro – com a Casa-Museu Anastácio Gonçalves. E são também conhecidas as críticas do actual director do histórico museu das Janelas Verdes, António Filipe Pimentel, a este projecto. Além de que, esta terça-feira, o já centenário Grupo dos Amigos do MNAA enviou ao ministro da Cultura uma carta a alertar para o risco de a “reconfiguração do enquadramento legal dos museus” levar à perda do lugar daquela instituição como “primeiro museu nacional”. E a reivindicar um modelo de gestão que lhe assegure “a autonomia bastante" para lhe permitir "desenvolver a sua missão e explorar o seu enorme potencial”.

Um tema que vai certamente continuar em debate nos próximos tempos.

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