A miúda do lado

Thelma é uma variação inteligente, adulta, sobre o cinema de género, como Kubrick a filmar De Palma, pelo autor de Oslo, 31 de Agosto.

A sexualidade e a identidade numa idade em que tudo é vivido com intensidade devastadora: <i>Thelma</i>
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A sexualidade e a identidade numa idade em que tudo é vivido com intensidade devastadora: Thelma
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Ficámos abananados quando descobrimos a segunda longa de Joachim Trier, o devastador Oslo, 31 de Agosto, ainda hoje um dos grandes filmes do século XXI. O norueguês respondeu a esse pequeno clássico com uma experiência em inglês que ficou aquém das expectativas (Ensurdecedor, com Isabelle Huppert e Gabriel Byrne) e regressa agora à terra natal para uma peculiar incursão no género que prolonga os temas dos filmes anteriores: segredos, famílias, silêncios, solidões. O centro de Thelma é a adolescente que lhe dá título — uma miúda normalíssima, algo solitária, metida consigo mesma, sem grandes experiências emocionais que veio da província estudar para uma cidade grande. Nada de original não se desse o caso da miúda ser religiosa e dos pais parecerem ter um ascendente bastante grande sobre ela.

Com o tempo — que Trier continua a saber gerir admiravelmente — perceberemos o porquê da super-protecção: Thelma tem poderes que desconhece e não compreende, que surgem sempre que ela cede às emoções, se deixa levar pelos seus desejos, em suma, que vêm da sua transformação de menina em mulher. É isso que Trier desenha, de modo calculadamente preciso, ao longo das duas horas de Thelma: o descobrir da sexualidade, a procura de uma identidade própria, a tensão entre família e personalidade, comunidade e individualismo, numa idade em que tudo é vivido com uma intensidade devastadora.

Não é descabido falar de Thelma como uma versão nórdica, cerebral, exangue da Carrie que Brian de Palma filmou, como se fosse um Kubrick em modo geométrico a dirigi-lo; ou como um equivalente “de género” do magnífico Requiem de Hans-Joachim Schmid, onde a passagem à idade adulta de uma jovem religiosa desencadeava tormentos que tanto podiam ser psíquicos como demoníacos. A comparação não abona em favor de Thelma, mas é inevitável — apesar da performance impecável de Eili Harboe no papel principal, nunca conseguimos evitar a sensação de Trier estar a trabalhar apenas outras maneiras de contar o que já foi contado, de ficar sempre na corda bamba entre fazer “mais do que” um filme de género e fazer “mais um” filme de género.

Mas isto também não deve minimizar o interesse e a inteligência que Thelma realmente tem, o modo como cria quase subrepticiamente um ambiente de mal-estar sem para isso precisar de “inventar”: tudo se passa em cenários quotidianos, realistas, que o espantoso trabalho de fotografia de Jakob Ihre torna alienígenas, desconfortáveis. O problema de Thelma é só um: houve um filme chamado Oslo, 31 de Agosto e Joachim Trier deixou a fasquia demasiado alta. Thelma não chega lá, mas fica mais perto.

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