“Porque é que sendo poeta se envolveu na política? Por isso mesmo”

Militante histórico do PS foi distinguido com o grau de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de Lisboa.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Às vezes, perguntam-lhe: “Porque é que, sendo poeta, se envolveu na política? Por isso mesmo.” Na cerimónia de atribuição do grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, o poeta e histórico socialista Manuel Alegre avisou nesta terça-feira que se vive num “período em que a única certeza é a incerteza”, que o “populismo é o novo fantasma que ameaça a Europa e o mundo” e que, “num tempo assim, poetas, escritores e filósofos são mais precisos”.

Alegre, que nunca deixou de ter “uma visão poética de Portugal” e que mantém a convicção “de que, pela palavra poética, pode sempre criar-se, como dizia Teixeira de Pascoaes, a terra do outro mundo”, diz esperar merecer a honra que lhe foi dada pela academia: “E continuar a rimar o meu poema com a minha vida”, disse na cerimónia que contou com a leitura de poemas pelo actor Diogo Dória e com a actuação da cantora Cristina Branco.

No discurso que fez, o poeta e político lembrou a vida de estudante em Coimbra, a luta contra a ditadura, a época em que foi para a guerra, o exílio. Sobre a guerra colonial, reconheceu ser “difícil explicar aos jovens de hoje” o que significou. Mas Alegre sabe-o: “Eu fui, estive na guerra, ouvi o assobio da bala.” Existem, aliás, dois “revisionismos” que é preciso combater: “o que pretende negar a grandeza das navegações e das descobertas portuguesas que deram origem à primeira globalização da história”; e aquele que “tenta redimir o colonialismo e branquear a ditadura e a guerra colonial”.

Diante da plateia que o aplaudiu na Aula Magna, lembrou ainda que foi deputado na Assembleia Constituinte de 1975, “redactor do preâmbulo da Constituição naquele contexto”, que escreveu poesia, romances, contos. Aprendeu, ao longo do tempo, que “cada um de nós tem várias vidas, vários eus”.

 “É com uma certa aflição que me apresento hoje perante vós”, começou por dizer o poeta e histórico socialista Manuel Alegre. Mostrou-se “grato e comovido”, perante quem o ouvia na Aula Magna, sublinhou que a distinção era uma “honra de grande significado”, mas também um “grande desassossego”, porque o obrigava a ser mais do que ele próprio.

Na cerimónia – na qual a catedrática Paula Morão fez o elogio da obra de Alegre – marcaram presença, entre outras personalidades, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa, Leonor Beleza, e o reitor da universidade, Cruz Serra, estes junto de Alegre, no palco; e na plateia rostos da política nacional, como, por exemplo, o primeiro-ministro António Costa, o ex-chefe de Estado Ramalho Eanes – a quem Alegre agradeceu –, o socialista Carlos César, a deputada Helena Roseta, o socialista Manuel Machado, o social-democrata Carlos Encarnação, entre outros.

“Hoje é o dia de Manuel Alegre”

No final da cerimónia, o Presidente da República recusou comentar os temas da actualidade, nem Orçamento do Estado, nem entrevistas, nem Tancos. “Hoje é dia de Manuel Alegre, não é o dia de nada da conjuntura politica portuguesa”, disse, insistindo que não comenta entrevistas do primeiro-ministro, nem do Governo, nem de líderes partidários, “menos ainda o Orçamento do Estado”. “Estamos tão perto da proposta, vamos esperar. Eu esperarei em Belém que me apareça um documento”, afirmou aos jornalistas. Sobre a hipótese de vir a dar posse a um Governo de “amigos” cuja relação “não dá para casar” - a forma como, na entrevista à TVI, o primeiro-ministro se referiu à relação do PS com os partidos à sua esquerda -, o Presidente respondeu: “Não vamos estar a falar de temas que menorizam o momento de hoje, que é o momento de Manuel Alegre”.

Sobre o protagonista da sessão, sublinhou o contributo que este deu “na construção da democracia”, mas não só: “Nunca deixou de rimar o poema com a vida, a poesia com a vida, quer enquanto poeta quer enquanto protagonista da vida portuguesa, ele esteve durante estas décadas todas ao serviço de Portugal. A homenagem da universidade foi também a homenagem de Portugal.” Antes, aos jornalistas, o primeiro-ministro salientou apenas que foi uma cerimónia “muito bonita”.

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