Voto “venezuelano” pode ser decisivo nas regionais da Madeira

Não existem dados oficiais, mas serão cerca de quatro mil os regressados da Venezuela em condições de votar nas próximas regionais. Partidos mais próximos do centro tentam seduzir aquele eleitorado que pode ser decisivo nas eleições de 2019.

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Lusa/Homem de Gouveia

As eleições regionais da Madeira do próximo ano prometem ser as mais disputadas de sempre. As sondagens revelam um empate técnico entre PSD e PS. E há agora um dado novo e importante. À região autónoma, desde 2016, contas feitas na semana passada pelo chefe do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, chegaram perto de sete mil emigrantes e luso-descendentes provenientes da Venezuela. Cerca de quatro mil, estima-se, estarão em condições de votar nas eleições de 2019, o que, numa terra onde pouco mais de dois mil votos podem chegar para eleger um deputado à assembleia regional, está longe de ser um número desprezível.

Investigadores ouvidos pelo PÚBLICO dizem que estes votos podem vir a ser cruciais. Os partidos ao centro e à direita também estão atentos a esta nova realidade e não será surpresa para ninguém se entre os lugares elegíveis nas próximas eleições estiver o nome de um ex-emigrante na Venezuela.

A data para a realização do acto eleitoral ainda não está marcada, porque, como o anterior mandado da Assembleia Legislativa não foi cumprido na íntegra, ainda se discute quando é que ele deve ter lugar, mas já se fazem muitas contas

Em 2015, na primeira vez que o PSD foi a eleições sem Alberto João Jardim, apenas 12 votos seguraram a maioria absoluta de Albuquerque. Quatro anos depois, o equilíbrio, indicam as sondagens, poderá ser ainda maior. Nos estudos de opinião que têm sido divulgados, nem social-democratas nem socialistas, que foram buscar Paulo Cafôfo, o independente que lidera a Câmara do Funchal, para ser candidato à presidência do governo, chegam a uma maioria absoluta. Em algumas sondagens há mesmo um empate técnico entre PSD e PS.

“Impacto significativo”

“Em eleições muito disputadas, a presença de um grupo de eleitores com perfil e orientação de voto similar pode ter um impacto significativo nos resultados, em especial se os membros desse grupo estiverem também motivados para votar”, diz André Azevedo Alves, professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

“Sempre que um universo eleitoral regista um aumento expressivo repentino, relativamente imprevisto, aumenta também a imprevisibilidade do resultado eleitoral”, acrescenta Filipe Vasconcelos Romão, professor de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa.

Romão lembra que nas regionais de 2015 o último partido que obteve representação parlamentar, o Partido da Nova Democracia (PND), “precisou de 2635 votos para fazer eleger o seu deputado”. “Para efeitos de análise, também convém ter em conta que, em 2006, a assembleia regional passou a ser eleita através de um único círculo eleitoral, o que reforçou o peso de cada eleitor e permitiu que o número de formações com representação parlamentar aumentasse”, salienta.

Mas que voto é este? Terá uma tendência específica? É difícil apurar, porque as comunidades portuguesas no estrangeiro não votam para as regionais. Nas votações para as legislativas, o PSD é habitualmente favorecido pelos votos dos emigrantes, pelo que a tendência de voto dos retornados da Venezuela na Madeira possa ser um voto que favoreça mais os partidos de direita.

“O número de cidadãos portugueses retornados da Venezuela não é esmagador, mas pode ser eleitoralmente relevante, considerando dois aspectos. O primeiro é que sendo essencialmente pessoas em fuga do regime de Maduro, é expectável que tenham menor propensão para votar à esquerda. A segunda é que o seu retorno e as experiências traumatizantes que viveram na Venezuela podem influenciar também outros madeirenses, nomeadamente com laços familiares”, diz André Azevedo Alves

“Não há estudos, mas entrando num terreno mais especulativo, julgo não ser disparatado pensar que estes cidadãos (obrigados a sair do país em que residiam e trabalhavam pelo deteriorar da conjuntura económica, social e política) estão revoltados com o governo de Caracas. Não podemos esquecer que a economia venezuelana é totalmente dependente do petróleo e que caminha a passos largos para um sistema centralizado por responsabilidade directa do poder político. Ora, não seria de estranhar que, enquanto eleitores, estes cidadãos se sentissem motivados a votar em partidos e movimentos que associem aos adversários ideológicos desse poder político”, acrescenta Filipe Vasconcelos Romão.

Lembra ainda o Portugal dos anos 70, “em que uma parte considerável dos cidadãos obrigados a regressar com a descolonização assumiam posições contrárias aos partidos e políticos que associavam a esta situação”. “Aqui, o quadro é mais complexo, tendo em conta que estão em causa dois países e que a associação ideológica não é tão linear, mas não é de excluir um comportamento eleitoral análogo”, afirma.

Outro aspecto a considerar, salienta Filipe Vasconcelos Romão, “é a forma como estes cidadãos se sentem acolhidos pelo governo regional”. “Caso a impressão causada seja positiva, poderá haver repercussões positivas para o PSD. Porém, não há dados sólidos e esta é uma mera hipótese, (ainda) sem elementos que a sustentem”, conclui.

PSD, PS e CDS muito atentos

Entre as forças políticas, e mesmo quando os discursos oficiais, tanto à direita como à esquerda, recusam contabilizar o peso eleitoral que a comunidade que tem chegado da Venezuela representa, longe dos microfones admite-se que o voto dos emigrantes é importante.

“Trata-se de um eleitorado que votará maioritariamente à direita, dada a questão política em Caracas. Os que regressam, muitos em desespero, responsabilizam as políticas bolivarianas de Maduro pela saída forçada da Venezuela”, sustenta ao PÚBLICO um dirigente do CDS. É, acrescenta, um nicho importante que pode desempenhar um papel eleitoral no próximo ano.

Nestas contas, BE e PCP têm-se mantido à distância. Mas, para já, 2019 ainda vai longe. “A principal preocupação dos que chegam passa por encontrar casa e procurar trabalho, mas esta comunidade está habituada a votar e tem uma consciência política muito forte”, resume Ana Cristina Monteiro ao PÚBLICO. A presidente da Associação da Comunidade de Imigrantes Venezuelanos na Madeira – Venecom, criada em Abril do ano passado para apoiar os procuram no arquipélago um refúgio à crise social e económica da Venezuela, tem tido reuniões com CDS e PSD e tem já um pedido do PS para um encontro. “Temos colocado os problemas que nos têm chegado. As dificuldades em obter documentação na Venezuela e os problemas, já em Portugal, em conseguir equivalências académicas ou laborais”, indica Ana Cristina Monteiro.

A musicalidade do sotaque não esconde as raízes venezuelanas da presidente da Venecom, que em Outubro passado, pela mão do CDS, entrou na política. Foi a número três dos centristas à Câmara do Funchal, que apenas elegeram um vereador. O eleito, Rui Barreto, que também lidera o partido na Madeira, está de saída da autarquia, para se concentrar precisamente nas regionais de 2019, e Ana Cristina Monteiro, por força da rotatividade estabelecida pelo partido, vai ganhar protagonismo político nos próximos meses.

Ainda sem um rosto na comunidade, mas à procura, estará o PSD. O partido que governa a Madeira desde que existem eleições regionais sempre cultivou relações próximas com a diáspora. Na Venezuela, existe a maior comunidade madeirense fora do arquipélago. São cerca de 300 mil pessoas, entre emigrantes e luso-descendentes, com ligação a uma região que não terá muito mais de 250 mil habitantes.

No Funchal, longe da imprensa, têm decorrido encontros entre dirigentes do PSD e emigrantes regressados. “São pessoas muito válidas politicamente e poderá aparecer alguém com perfil de candidato”, admite ao PÚBLICO fonte ligada ao processo, considerando importante que esta comunidade encontre voz dentro do partido.

Voto por contágio

Oficialmente, o discurso do partido está centrado na necessidade de apoiar quem chega. No final da semana passada, após um encontro com a Venecom, o secretário-geral do PSD-M, Rui Abreu, fez questão de reforçar o empenho do partido e do governo regional em resolver os problemas dos que estão a regressar e facilitar a integração. São já, contabilizou Rui Abreu, quatro mil pessoas inscritas no Sistema Regional de Saúde e perto de 1200 a frequentar as escolas da região autónoma.

Para o PSD, o momento é de solidariedade e trabalho, não de estratégias eleitorais. O PS concorda. O líder parlamentar dos socialistas, Victor Freitas, fala do empenho do partido, tanto na Madeira como em Lisboa, em resolver os problemas que têm sido colocados, ao mesmo tempo que desvaloriza o impacto que a situação possa ter nas regionais do próximo ano.

“Os que regressam estão-se a aculturar, e muitos vão votar por contágio. Ouvindo familiares e amigos”, argumenta, mostrando-se convencido de que estes votos não vão estar concentrados num único partido, mas dissipar-se pelas forças políticas mais ao centro. “As pessoas sabem que o socialismo na Venezuela é completamente diferente do socialismo em Portugal”, insiste Victor Freitas, minimizando um eventual efeito negativo que a expressão “socialismo” possa ter na popularidade do PS junto deste eleitorado.

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