Autarca italiano pró-migração em prisão domiciliária

Domenico Lucano é conhecido pelo modelo de integração de migrantes que revitalizou a sua comunidade. É acusado de favorecer a imigração ilegal.

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O modelo de integração de refugiados de Lucano revitalizou a região de Riace Reuters

O presidente da câmara do pequeno município de Riace, no sul de Itália, foi detido em prisão domiciliária, esta terça-feira. Domenico Lucano é acusado de apoiar e favorecer migrações ilegais, bem como de dirigir de forma fraudulenta o sistema de recolha de lixo do município. A sua esposa também foi acusada e proibida de viver na área.

O comunicado emitido pela Procuradoria de Locri aponta como primeira acusação o facto de Lucano e a esposa, Tesfahun Lemlem, terem abusado do estatuto de presidente da câmara para organizar casamentos de conveniência entre cidadãos italianos e mulheres migrantes para que estas pudessem obter entrada em Itália.

A prova apresentada no documento refere-se ao caso de uma mulher nigeriana, cujos pedidos de asilo tinham sido negados três vezes. De acordo com escutas telefónicas, Lucano terá dito que, ao ser responsável pelo registo civil, podia “casá-la com um italiano de imediato”, sem examinar qualquer tipo de documentos de requerimento de asilo, e que esta “era a única solução”. Ele próprio trataria do seu bilhete de identidade. “Para ir contra estas leis loucas, tenho de agir contra a lei. Sou um fora da lei”, confessou.

A segunda acusação refere-se à administração fraudulenta dos serviços de recolha do lixo municipal, que, de acordo com as autoridades, foram atribuídos a duas companhias sem passar pelo processo de concurso público.

A investigação, que iniciou em 2017, tinha como objectivo apurar se estava a haver uma gestão indevida dos fundos concedidos pelo ministro do Interior na região. Segundo o documento, ainda que se verifique uma administração “desorganizada” do dinheiro estatal, não existem provas de que tenha havido furto e apropriação indevida de bens, pelo que as acusações de suborno, desvio de capitais e fraude contra o Estado foram retiradas.

Domenico Lucano, considerado pela revista americana Fortune em 2016 como o quadragésimo líder mundial mais relevante, iniciou o seu programa de apoio aos refugiados em 1998, dando-lhes casa abandonadas para habitação e formação laboral, na esperança que a medida rejuvenescesse a economia local. Desde então, centenas de migrantes vivem no pequeno município na região de Calábria: o vice-presidente de Riace, Giuseppe Gervasi, disse à Reuters que mais de 300 dos 1.500 cidadãos da região são imigrantes.

“Esta política deu ao município, que se estava a tornar um município-fantasma, uma nova oportunidade de vida. Não desencadeou nenhum conflito entre os mais necessitados, nem histeria xenófoba ou especulações fraudulentas — ajudou a dar novos valores às pessoas envolvidas”, garantiu Lucano à BBC, numa reportagem sobre a região, em 2016. “Apenas faço o que é certo para a nossa pequena comunidade”, acrescentou.

Polémica com Salvini

O modelo de imigração de Lucano diverge do aplicado pelo governo italiano, que aprovou no dia 24 de Setembro o decreto-lei sobre segurança e imigração do ministro do Interior, Matteo Salvini. A decisão põe em causa a ajuda humanitária prestada aos migrantes e altera as leis de recepção de requerentes de asilo.

Salvini reagiu à detenção de Lucano através do Twitter. “Meu Deus, imagino o que [Roberto] Saviano e todos os bonzinhos que querem encher Itália de imigrantes vão dizer agora”, escreveu, atacando directamente o seu crítico e autor antimáfia, Roberto Saviano.

Saviano, por sua vez, respondeu no Facebook: “Mimmo Lucano [como é conhecido informalmente] está sob prisão domiciliária. A motivação é a imigração ilegal. A verdade é que Lucano nunca age pelo lucro, mas sim pela desobediência civil. Esta é a única arma que temos para defender não só os direitos dos imigrantes, mas os direitos de todos”, disse.

“Este governo está a dar o primeiro passo na definitiva transformação de Itália de democracia a estado autoritário”, acrescentou.

Segundo um defensor da campanha pelos direitos dos migrantes da Associação de Direitos e Fronteiras (ADIF), Sergio Bontempelli, o município de Riace era conhecido por ser “um bom exemplo de integração”, que estava sob ataque há anos. Citado pelo jornal britânico The Guardian, Bontempelli afirma que “outros projectos de integração empreendidos por centenas de pessoas noutras cidades italianas estão agora em risco”.

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