Com a verdade me enganas

Na Caixa Geral de Aposentações, as idiossincrasias contabilísticas escondem uma realidade devastadora.

Em 1993, Herman José lançou um concurso televisivo de grande sucesso denominado “Com a Verdade M´Enganas” onde, num jogo de verdade e mentira, os concorrentes diziam a verdade para enganar os concorrentes adversários.

Vem isto a propósito do Relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) de setembro de 2018 que analisa a execução orçamental da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) no 1.º semestre de 2018. É aí referido que “o saldo orçamental da CGA atingiu um excedente de 78 milhões de euros no 1.º semestre de 2018, inferior ao alcançado no período homólogo mas que contrasta com o défice previsto para o conjunto do ano” (-42 milhões de euros previsto no OE2018).

Para os menos atentos, incluindo-se aqui alguns órgãos de comunicação social que divulgaram a informação, estes dados parecem indiciar que o problema financeiro da CGA está ultrapassado e que o seu anunciado colapso resultava apenas de um pessimismo desmesurado.

Para analisarmos com mais detalhe as conclusões do CFP consideremos os dados históricos da execução orçamental da CGA. Conforme se observa, o saldo orçamental apresenta valores positivos desde 2015, depois de um período de dois anos de saldos negativos.

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Conforme se constata, na ótica da execução orçamental, a situação da CGA parece não merecer qualquer preocupação, uma vez que o saldo acumulado desde 2013 situa-se em valores próximos dos 140 milhões de euros. Isso significa que a CGA é sustentável. Infelizmente não?

Na realidade, as idiossincrasias contabilísticas associadas à sua natureza de “fundo autónomo” escondem por detrás uma realidade devastadora.

Com efeito, cerca de 50% da receita resulta de transferências do Orçamento do Estado e não de receitas das contribuições dos trabalhadores!

Daqui resulta que em 2018, apesar da execução orçamental se apresentar favorável, como refere o Conselho das Finanças Públicas, as transferências do Orçamento do Estado (financiadas por impostos) situar-se-ão em valores próximos dos 5.000 milhões de euros.

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Este desequilíbrio financeiro extremo tem uma explicação muito simples. A CGA foi encerrada a novos subscritores a partir de 2006, o que significa que o número de trabalhadores contribuintes tenderá a diminuir enquanto o de aposentados aumentará. Com efeito, o número de subscritores (pensões) desceu (aumentou) de 588 mil (577 mil) em 2010 para 453 mil (646 mil) em 2017, passando o rácio entre subscritores e pensões de 1,02 em 2010 para 0,70 em 2017.

Estou convicto que a forma como a situação da CGA relatada no Relatório do Conselho das Finanças Públicas foi interpretada por alguns não teve como quadro de fundo o saudoso concurso do Herman José.

Contudo, importaria que estas matérias fossem analisadas tendo por base não apenas princípios de exatidão financeira (que não estão obviamente em causa, uma vez que o saldo orçamental é inequivocamente positivo), mas também princípios pedagógicos de educação financeira, garantindo-se desta forma que o leitor possa ter uma visão global e completa da realidade.

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A este propósito, recordaria apenas uma pequena história muito ilustrativa.

Há alguns anos, uma senhora fez a seguinte pergunta a um amigo meu que passeava um cão no jardim: “O seu cão morde?”

Esse meu amigo respondeu com a exatidão e verdade que lhe é conhecida: “Não, o meu cão não morde.”

A senhora tentou fazer uma festa ao cão e este reagiu agressivamente. Indignada, a senhora perguntou: “Mas não me disse que o seu cão não mordia?!?”

O meu amigo respondeu rápida e energicamente: “Disse sim, mas este cão não é o meu!” 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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