O pai da Web quer salvá-la das grandes empresas

O cientista britânico Tim Berners-Lee quer criar uma plataforma onde as pessoas possam definir quem vê os seus dados e quais as aplicações que podem usar para vê-los.

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O físico está a trabalhar no projecto Solid há cerca de 15 anos Enric Vives-Rubio

Tim Berners-Lee, o cientista britânico que criou a World Wide Web em 1989, apresentou uma nova proposta para “restaurar o poder dos utilizadores independentes na Internet”. Trata-se de uma plataforma em código aberto – conhecida por Solid – que permite aos utilizadores monitorizar onde armazenam a informação pessoal que têm online, quem é que a pode ver e quais as aplicações que têm acesso.

Há 15 anos que a Solid está a ser desenvolvida pelo físico e pela sua equipa no MIT, a prestigiada universidade de tecnologia nos EUA.

“A Solid muda o modelo actual em que os utilizadores têm de dar os seus dados pessoais aos gigantes digitais para ter em troca. Como já percebemos, isto não tem estado nos nossos interesses”, escreveu no sábado Tim Berners-Lee numa publicação no site Medium sobre o projecto. 

A data da apresentação foi bem escolhida: dias antes, o Facebook divulgou uma falha de segurança no código daquela rede social que comprometeu os dados de cerca de 50 milhões de utilizadores em todo o mundo. Chega menos de um ano depois do escândalo com a Cambridge Analytica, a empresa de recolha e tratamento de informações sobre eleitores que trabalhou com a campanha de Donald Trump em 2016 e acedeu a dados de cerca de 87 milhões de utilizadores do Facebook sem autorização.

“As pessoas querem ter uma Internet em que confiam”, continuou Berners-Lee. “Querem aplicações que as ajudam a fazer o que querem – sem que as espiem. [Querem] aplicações sem um objectivo escondido para distrair com propostas para comprar isto ou aquilo. E as pessoas estão dispostas a pagar para este tipo de qualidade e garantia.” O cientista dá o exemplo do Dropbox, um serviço para armazenamento e partilha de arquivos, que ronda entre os dez euros e os 20 euros por mês.

Com a Solid, os dados pessoais das pessoas ficam todos armazenados numa “cápsula Solid” que o cientista britânico descreve como uma “pen USB para a Internet” ou “um um site privado”. Quando alguém coloca vídeos ou textos nesta plataforma, os seus amigos ou conhecidos (que têm acesso à cápsula) escolhem qual é a aplicação que usam para a ver. Em teoria, isto quer dizer que alguém pode ver o mesmo álbum de fotografias com a aplicação do Facebook, Google Photos ou Instagram se o dono da cápsula permitir a essas aplicações aceder aos dados.

Para já, Berners-Lee diz que não está a colaborar com nenhuma das gigantes tecnológicas para o projecto. O objectivo é motivar novos programadores a criar “aplicações inovadoras que dêem valor à Internet”.

Em Setembro de 2018, o projecto ainda está numa fase muito inicial e – apesar das promessas de Berners-Lee – é pouco intuitiva. Depois de criar uma cápsula, parece impossível apagá-la de forma óbvia. Para ver os dados de outro utilizador, porém, é preciso que esse utilizador o adicione aos seus contactos. O processo demora: tem de se conhecer o endereço da cápsula de alguém e não há nenhum motor de busca para pesquisar o nome de alguém como nas redes sociais contemporâneas.

“Vai ser preciso muito esforço para criar esta nova plataforma e convencer as pessoas a usá-la, mas acho que há energia suficiente”, admitiu Berners-Lee perto do final do seu texto de apresentação. Para aumentar as probabilidades de sucesso, o pai da Internet vai tirar um período sabático das aulas no MIT para fazer avançar o projecto. Meses antes, em Maio, também lançou uma nova empresa, a Inrupt, que vai servir como a estrutura comercial para a Solid. O parceiro e presidente executivo é John Bruce, o antigo responsável pela empresa de cibersegurança Resilient Systems que foi comprada pela IBM em 2016.

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