Referendo à mudança de nome da Macedónia abre portas a eleições e afasta país do Ocidente

A esmagadora maioria dos que votaram aprovou a mudança de nome, mas a taxa de participação no referendo de domingo terá ficado pelos 36%. Impasse provoca sorrisos em Moscovo e promete aprofundar crise política dentro de portas.

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Opositores à mudança de nome dizem que alteração seriam uma humilhação para a Macedónia. Reuters/MARKO DJURICA

Todos declararam vitória no referendo sobre a mudança de nome da antiga república jugoslava da Macedónia. Mas a porta para eleições antecipadas ficou entreaberta, pois, apesar de a maioria dos votantes ter aprovada a mudança de nome, a taxa de participação de pelo menos 50% ficou longe de ser alcançada, o que não torna a decisão vinculativa. A entrada da Macedónia na União Europeia e na NATO fica, desta feita, em suspenso, o que satisfaz a Rússia, um dos vencedores do referendo.

O primeiro-ministro, Zoran Zaev, prometeu avançar com uma votação no Parlamento para mudar o nome do país para República da Macedónia do Norte. Contudo, a grande dúvida do referendo não era a vitória do “sim”, mas se a participação permitiria um resultado vinculativo, já que os opositores à mudança não defendiam um voto no não, mas antes que os eleitores não fossem votar.

"Neste referendo, está claro que a decisão não foi tomada", disse, por sua vez, Oliver Derkoski, chefe da comissão eleitoral, aos jornalistas.

"É claro que o acordo com a Grécia não recebeu a luz verde do povo", reagiu o principal líder da oposição, Hristiajn Mickoski, da Organização Revolucionária Interna da Macedónia (VMRO-DPMNE). Para este movimento o acordo representa a submissão da Macedónia perante a Grécia e uma humilhação.

Em causa está a resolução de uma disputa de décadas com a Grécia, que tem uma província com o mesmo nome e que tem impedido a Macedónia de entrar na União Europeia e na NATO, temendo que a designação do país vizinho ocultasse um plano para reclamar a soberania de Skopje sobre a região grega.

Quando 85 por cento dos votos estavam contados, a taxa de participação indicada era de 36%, e as autoridades garantiam que já não havia possibilidade do número subir até aos 50%. Entre as pessoas que votaram foi esmagador o apoio à mudança de nome: mais de 90% votaram sim com 63% das assembleias de voto contabilizadas.

A mudança de nome proposta faz parte de um acordo alcançado em Junho pelo primeiro-ministro pró-ocidental, Zoran Zaev, e o seu homólogo grego, Alexis Tsipras, para resolver a disputa sobre o nome do país.

Mesmo que o Governo avance para a votação no Parlamento, a oposição nacionalista, que detém 49 dos 120 lugares, tem o peso suficiente para bloquear a maioria de dois terços necessária para mudar a Constituição.

Num discurso no domingo à noite, Zaev não mencionou a baixa taxa de participação, defendendo apenas que os votos daqueles que apoiaram a mudança devem ser respeitados. Comprometeu-se a levar a questão ao Parlamento e a convocar eleições antecipadas se a mudança não for aprovada. "Estou determinado a levar a Macedónia à União Europeia e à NATO", disse Zaev, afirmando que este “é um assunto sério, com o qual não se pode andar a brincar”.

Desta forma, o Governo macedónio terá cerca de dez dias para convencer pelo menos alguns deputados do partido da oposição, VMRO DPME, para que votem favoravelmente à mudança do nome. Caso contrário, o país avançará mesmo para eleições antecipadas.

O impasse saído do referendo pôs a possível adesão da Macedónia à UE e à NATO em stand-by. Por isso, a Rússia pode ser declarada um dos vencedores do referendo, isto porque tem encetado esforços para impedir que a região dos Balcãs se aproxime do Ocidente.

Em reacção aos resultados, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, afirmou que espera que a situação seja resolvida de acordo com a lei: “Estamos a observar de perto e, claro, acho que todos os processos devem ficar no âmbito da lei”.

Nos meses que antecederam o referendo, vários diplomatas ocidentais acusaram Moscovo de tentar interferir na questão através de, entre outras coisas, campanhas nas redes sociais a apelar ao boicote. Além disso, o primeiro-ministro macedónio afirmou ter recebido denúncias de que empresários russos andaram a pagar a grupos nacionalistas para provocarem violência e desestabilização – algo que foi subscrito por James Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos.

A Rússia negou todas estas alegações. No entanto, como escreve o jornal britânico The Guardian, “o paradoxo é o de que, qualquer que seja o nome do país, a maioria dos macedónios apoia a UE e a NATO, de acordo com sondagens recentes”. “Essa perspectiva sofreu um retrocesso, pelo menos por enquanto. Na contínua disputa em toda a Europa por poder e influência, a Rússia acabou de marcar mais um golo”.

Petar Arosvski, analista político macedónio, explica também à Reuters que “em vez de ter dado uma imagem mais clara, o resultado do referendo vai apenas aprofundar a crise política”. “Estamos, provavelmente, a caminhar em direcção a eleições antecipadas e a Macedónia não tem tempo para isso”.

O porta-voz da Comissão Europeia disse que em relação ao referendo para a mudança de nome, a posição da Bruxelas "é muito clara". Remetendo para uma declaração assinada pela responsável pela política externa da UE, Federica Mogherini, e o comissário com a pasta do Alargamento, Johannes Hahn, que não faz qualquer referência ao facto de a taxa de participação na votação ter ficado abaixo do limiar dos 50% que tornaria a consulta vinculativa, a Comissão nota que "num exercício democrático e pacífico, a esmagadora maioria dos eleitores disse que sim ao acordo firmado em Prespa" para resolver a questão do nome e encaminhar o país em direcção à integração europeia.

"O Parlamento será agora chamado a cumprir os próximos passos no sentido da implementação do acordo, com a adopção das alterações constitucionais necessárias", notam os europeus, que mais uma vez apelam a todos os actores políticos e institucionais na Macedónia a "actuar com responsabilidade" e a evitar jogos partidários que venham a comprometer a resolução do conflito. "Esta é uma oportunidade histórica, não apenas para a reconciliação dentro da região, como para o avanço decisivo do processo de adesão à União Europeia".

A Grécia, a outra parte directamente envolvida em tudo isto, defende que esta é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada, apesar da falta de quórum: “Esperamos que a iniciativa do senhor Zaev para uma reforma constitucional seja bem-sucedida”, disse, citado pela Reuters, Dimitris Tzanakopoulos, porta-voz do Governo grego, acrescentando que Atenas “vai continuar com sobriedade e prudência, para apoiar a necessidade de implementação do acordo”. “Esta oportunidade não pode ser desperdiçada”, afirmou ainda Tzanakopoulos.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros grego disse ainda que se mantém “comprometido com o Acordo de Prespa”, apelando ainda que “a cultura do diálogo democrático permaneça”, em contrapartida ao “clima de nacionalismo e suspeição, de notícias falsas diárias e fanatismo rampante”. Com Mariana Oliveira e Rita Siza

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