Angra do Heroísmo recebeu 500 presos políticos durante o Estado Novo

O levantamento foi feito pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), que vai lançar um livro sobre o tema.

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Marina de Angra do Heroísmo Nuno Ferreira Santos

Durante o Estado Novo, passaram por Angra do Heroísmo, nos Açores, cerca de 500 presos políticos, segundo um levantamento da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), que vai lançar um livro sobre o tema.

"Daquilo que nós já apurámos da investigação na Torre do Tombo e noutros locais, passaram cerca de 500 presos políticos, dos quais 40 açorianos e duas mulheres", adiantou, em declarações à Lusa, César Roussado, dirigente da URAP.

A apresentação prévia do livro 'As prisões políticas de Angra do Heroísmo - Fortaleza de São João Baptista e Forte de São Sebastião (Castelinho)' decorre esta segunda-feira, nos paços do concelho do município, na ilha Terceira.

Presos de Angra

A ideia de editar um livro que contasse a história dos presos políticos em Angra do Heroísmo surgiu, há três anos, durante uma visita de um grupo de investigadores da URAP à Fortaleza de São João Baptista, onde estiveram também em cativeiro o rei D. Afonso VI e o último imperador do Império de Gaza, actual Moçambique, Gungunhana.

A fortaleza, construída pelos espanhóis durante o domínio filipino, foi ainda um campo de concentração para alemães durante a I Guerra Mundial.

Entre 1933 e 1943, recebeu alguns dos "mais destacados" dirigentes do movimento sindical da época, como Mário Castelhano, Bento Gonçalves, Sérgio Vilarigues ou Zé Gregório.

"O primeiro secretário-geral do partido comunista, Bento Gonçalves, esteve na Fortaleza de São João Baptista, antes de ir para o Tarrafal, onde acabou por morrer", revelou César Roussado.

Operários vidreiros

Entre os primeiros presos políticos a rumar a Angra do Heroísmo terão estado os operários vidreiros da Marinha Grande que se revoltaram em 18 de Janeiro de 1934 contra o Estado Novo e as condições de vida da época.

Em 1936, a cidade recebeu centenas de marinheiros da Organização Revolucionária da Armada, que tentaram tomar vários navios da Armada Portuguesa.

O livro editado pela URAP, com o apoio do município de Angra do Heroísmo, integra uma lista dos presos políticos que passaram pela cidade e descreve o seu quotidiano.

"Era horrível. Por qualquer coisinha, os carcereiros castigavam-nos. Eram enviados para o chamado calejão, que era um local onde estavam os cavalos e os próprios cavalos morriam por causa do frio e das águas. E, depois, muitos deles iam para a puterna, onde passavam dias e dias às escuras, com alimentação horrível", descreveu o dirigente da URAP.

Segundo César Roussado, muitos apanhavam doenças durante estes períodos de castigo e acabavam por morrer.

Puterna e calejão

"Eles eram isolados completamente quando eram castigados. Iam para a puterna, para o calejão ou para outro lado e ficavam lá às escuras, por qualquer coisinha, ou porque se recusavam comer, ou porque a comida não prestava, ou porque respondiam aos carcereiros... Era uma vida infernal", sublinhou.

O objectivo da apresentação do livro, que vai levar 40 membros da URAP e familiares de presos políticos a Angra do Heroísmo, é homenagear quem esteve detido durante a ditadura e "não deixar esquecer" esse período.

César Roussado admite que pouca gente sabe que os castelos que são hoje atracções turísticas em Angra do Heroísmo foram palco de tortura de presos políticos e salienta que é preciso divulgar junto das novas gerações o que se passou no Estado Novo.

"Vamos muitas vezes às escolas falar do que foi o fascismo, como surgiu o 25 de Abril, das condições da prisão", frisou.

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