Uma acusação a que Rui Moreira tem de responder

A acusação de José António Pinto é plausível também por encaixar na forma como Rui Moreira (na esteira, aliás, de Rui Rio) exerce o seu poder.

A acusação que é feita a Rui Moreira reza assim: a 1 de Fevereiro deste ano, o assistente social José António Pinto, que no Porto é conhecido como Chalana, publicou neste jornal um artigo intitulado “Este Porto não é para todos”, onde desancava nas opções políticas da câmara, dado o impacto que estavam a ter nas pessoas mais desfavorecidas da cidade. Esse artigo terá irritado sobremaneira Rui Moreira. Primeiro, protestou junto do presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, onde José António Pinto é assistente social (já foi inclusivamente condecorado na Assembleia da República pelo seu trabalho no Bairro do Lagarteiro), e depois deu-se isto: no final de Agosto, o vereador Fernando Paulo afastou Célia Carvalho da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens Porto Central, da qual ela era ao mesmo tempo presidente e representante da câmara. Até agora ainda ninguém encontrou uma justificação plausível para tal decisão. A não ser esta: Célia Carvalho é companheira de José António Pinto. Este considera que o seu afastamento da CPCJ é uma retaliação pelo seu artigo no PÚBLICO. A acusação é muito grave.

José António Pinto tem a sorte de não ser apenas um anónimo funcionário público. É militante comunista, vereador sem pelouro na Câmara de Gondomar (onde Fernando Paulo, agora na equipa de Moreira, foi vereador de 1994 a 2013), e já trabalhou com o Bloco de Esquerda na avaliação de medidas contra a pobreza. Isso permite-lhe mobilizar pessoas, trazer o assunto para a praça pública (José Soeiro escreveu sobre ele no Expresso, tal como Garcia Pereira, que representa Célia Carvalho, o fez aqui no PÚBLICO) e levar o tema a reuniões de câmara. Só que, passado este tempo, o silêncio impera. Se a Câmara do Porto tem o direito legal de retirar Célia Carvalho da CPCJ – e exerceu-o –, também tem o dever moral de explicar publicamente, e em detalhe, por que o fez – e ainda não disse nada.

Como imaginam, as convicções ideológicas de José António Pinto estão muito longe das minhas, e eu discordo de boa parte do seu artigo. Mas tenho enorme respeito por quem está diariamente no terreno a ajudar os que mais precisam, e o faz com uma competência reconhecida por quase toda a gente. Infelizmente, conheço também aquilo que é a cultura do funcionalismo público português: quem se atreve a verbalizar em voz alta opiniões acintosas para com a sua entidade empregadora está tramado. A liberdade de expressão dos funcionários públicos só existe se for mediada pelos sindicatos. Fora dessa cerca, quem fala com coragem arrisca-se a sofrer consequências.

A acusação de José António Pinto é plausível por encaixar nessa cultura, e por encaixar igualmente na forma como Rui Moreira (na esteira, aliás, de Rui Rio) exerce o seu poder: com grande competência tecnocrática e pouca sensibilidade democrática. Ainda ontem, no Jornal de Notícias, o vereador do PS Manuel Pizarro assinalava (“Porto: um ano de maioria absoluta”) vários aspectos positivos da gestão de Rui Moreira, alertando para este aspecto negativo: “uma compressão da vida democrática”. É uma tristeza muito portuguesa que “deixem-me trabalhar” rime tantas vezes com “vamos mas é a calar”. Pode o mundo estar a ser injusto para com Rui Moreira? Pode. Podem as acusações de José António Pinto ser infundadas? Podem. Mas para isso só há um remédio: a Câmara do Porto explicar tintim por tintim as razões do afastamento de Célia Carvalho. Se não o fizer, já sabemos quem está a falar verdade.

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