O capitão Bolsonaro pôs o seu general na ordem

A campanha do candidato de extrema-direita tem sido marcada por uma acumulação de declarações dos seus elementos mais próximos que reforçam a imagem que Bolsonaro queria limpar.

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O candidato a vice, Hamilton Mourão, a fazer campanha em Manaus Raphael Alves / EPA

Os ataques e as tentativas de desestabilização são dados quotidianos durante as campanhas eleitorais. Para além de defenderem os seus programas, os candidatos também beneficiam quando os seus ataques fragilizam os adversários. Menos comum é uma campanha contribuir para a exposição das suas próprias fragilidades. É o que tem acontecido com o candidato de extrema-direita nas eleições presidenciais brasileiras, Jair  Bolsonaro, que tem acumulado episódios que põem a nu a descoordenação da sua campanha.

Na quinta-feira, o seu candidato a vice-presidente, o general Hamilton Mourão, criticou a existência do 13.º mês, durante um encontro com empresários no Rio Grande do Sul, dizendo que “o Brasil é o único lugar onde a pessoa entra em férias e ganha mais”. “Como é que a gente arrecada 12 e pagamos 13 meses?”, questionou o general na reserva dirigindo-se aos empresários.

Para além de não ser verdade que o pagamento do 13.º mês de salários, ou subsídio de férias, apenas exista no Brasil, a crítica de Mourão frustra as tentativas da campanha de Bolsonaro em tentar conter a elevada rejeição, especialmente entre o eleitorado mais pobre. O candidato reagiu de imediato, lembrando que o 13.º mês está previsto pela Constituição, numa mensagem no Twitter que não pode deixar de ser vista como uma admoestação ao colega de campanha. Criticar a medida, disse Bolsonaro, “para além de uma ofensa a quem trabalha, revela desconhecer a Constituição”.

Mais tarde, Mourão disse que as suas declarações foram “descontextualizadas”, mas a campanha decidiu cancelar todas as presenças públicas do candidato a vice que estavam previstas até à primeira volta, marcada para 7 de Outubro. Com Bolsonaro hospitalizado desde que foi alvo de um ataque logo no arranque da campanha, Mourão assumiu um protagonismo que não teria. É ele que tem aparecido em muitos dos comícios e também em entrevistas – e não tem corrido bem.

Em poucas semanas, o companheiro de “chapa” de Bolsonaro viu-se em várias ocasiões no centro de polémicas por causa de declarações públicas. Mourão aludiu a um “autogolpe” do Presidente, caso o país caísse em “anarquia”; defendeu que uma nova Constituição deveria não ser elaborada por deputados eleitos, mas sim por um grupo de “notáveis”; e disse que as famílias sem uma presença masculina são “fábricas de desajustados”.

Mourão já confessou ter sido advertido pelo próprio Bolsonaro para moderar as suas intervenções, mas diz estar a ser “asfixiado” para não dizer o que pensa. “Se expressa o seu pensamento de forma sincera, você é condenado, então tem que ficar camuflando as coisas, como a maioria dos políticos faz. Acho isso muito ruim”, disse o general na reserva à revista Piauí.

O candidato a vice não é o único a embaraçar Bolsonaro. O responsável pelo programa económico, Paulo Guedes, um economista de forte pendor neoliberal e admirador da “terapia de choque” imposta em vários países da América Latina, disse que estava a ponderar a criação de um novo imposto semelhante ao CPMF, que taxava todas as movimentações bancárias e que foi extinto em 2008. Mais uma vez, Bolsonaro veio a público desdizer um elemento da campanha, garantindo que não pretende criar mais impostos.

O espectro da rejeição

À partida para a campanha, a missão da candidatura de Bolsonaro era óbvia: contrariar a imagem de que a sua eleição põe em causa a democracia e as conquistas sociais dos mais pobres. Com um eleitorado firme no seu apoio, a prioridade era pelo menos conter a rejeição, ou seja, o número de eleitores que dizem que não ponderam sequer votar em Bolsonaro, que é capitão do Exército na reserva. As declarações de Mourão e de Guedes, porém, dão o sinal exactamente oposto.

Os analistas dizem que situações como esta mostram a descoordenação e falta de organização da campanha de Bolsonaro. O Partido Social Liberal (PSL), que o apoia, tem muito pouca implantação e a sua máquina não tem a envergadura de outras formações, como o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de Geraldo Alckmin, ou o Partido dos Trabalhadores (PT), de Fernando Haddad. Com o afastamento físico de Bolsonaro por causa do ataque, a imprensa brasileira noticiou divergências na campanha entre os filhos do candidato, o partido e o candidato a vice.

As sondagens continuam a mostrar Bolsonaro na liderança, mas, ao contrário do que aconteceu na fase inicial da campanha, a tendência agora é de estabilização, e não de crescimento. Depois de ter atingido 28% das intenções de voto na sondagem do Ibope de 18 de Setembro, o candidato de extrema-direita não passou desse patamar. Mais expressiva é a subida da taxa de rejeição, que já vai em 44%

“A campanha de Bolsonaro criou confusão onde ela não existia”, escreve o colunista da revista Piauí, Marcos Nobre, que antecipa que o candidato corre até o risco de perder o eleitorado “antipetista”. “A apreensão veio com uma sensação de bagunça onde a promessa era só de ordem, firmeza e segurança. Ficou claro que só existe o próprio candidato, nada mais”, conclui.

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