Neste jardim no Porto, apanham-se pedras que também têm pele

Os moradores do Bonfim vão transformar o Jardim das Pedras num palco, no Domingo, 30 de Setembro. A PELE, estrutura artística do Porto que põe as comunidades no centro das criações colectivas, vai apresentar-se, assim "aos vizinhos"

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Paulo Pimenta
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Mariana surge sorrateira pelo meio do grupo que se começa a juntar na Casa d’Artes do Bonfim, no Porto, pelas 21h. “Desculpem, é aqui o ensaio?”, pergunta, baixinho, a uma mulher mais jovem que ela. “É aqui, sim. Já estamos na recta final para o espectáculo de Domingo. Jardim de Pedras. Até estou nervosa!”

Parece confusa. A moradora do bairro Fernão de Magalhães só recentemente é que encontrou na caixa de correio um panfleto onde se convocava toda a vizinhança a aparecer naquele sítio, àquela hora. Qualquer coisa a ver com um projecto de experimentação de voz e de corpo. Estava assinado pela PELE, estrutura artística do Porto que põe as comunidades no centro das criações colectivas que desenvolve desde 2007. E ela, vizinha da casa “aberta à cidade e à exploração cultural comunitária” que se inaugurou no final do ano passado — “não conhecia, é tão grande” —, gostava de participar.

Maria João Mota, co-fundadora da PELE, interrompe a conversa: “Nós deixamos essa convocatória há muitos meses já. E não é só para cantar, fomos um bocadinho enganadores”, ri-se. Por causa de um pedaço de papel perdido, Mariana, desta vez, ficará só a assistir enquanto o grupo de cerca de 25 pessoas “afina os últimos pormenores” da criação artística que vão apresentar no Domingo, 30 de Setembro, às 16h, inserida no programa da Cultura em Expansão.

Ali, enquanto as persianas dos prédios à volta se fecham, artistas e moradores do Porto, transformados agora em actores, preparam-se para “fortalecer laços comunitários através da arte”. O espectáculo não tem portas: vai decorrer ao longo do Jardim Paulo Vallada, uma zona verdejante de passagem e de alguns encontros, conhecida como o Jardim das Pedras — o nome que a peça adoptou.

“Nunca é de mais perguntar e por isso, vou repetir”, anuncia-se Maria João, directora artística. “O que é que queremos dizer às pessoas que nos vêm ver?” A sala fica silenciosa por segundos. Crianças, jovens e idosos, antes desconhecidos, entreolham-se cúmplices. Jó, 17 anos, ajeita os óculos e espeta a mão no ar: “Passei a minha infância no jardim e acho mesmo bem realçar que ele existe, só isso. Ainda que eu sempre lhe tenha chamado Parque da Teia, por causa do recreio. Só percebi aqui que tinha outro nome”, brinca.

A PELE procurava “conhecer os vizinhos”. E mostrar-lhes o que realmente fazem aqui. “Sabemos que é um namoro demorado”, diz Maria João, mas a primeira pedra põe-se com este espectáculo. “Estando nós aqui só fazia sentido pensarmos numa criação que pudesse aproximar-se da comunidade e que a comunidade se aproxime da casa também. Porque este edifício ainda é um elemento estranho, neste bairro”, reconhece.

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As pessoas “foram aparecendo” para os ensaios. Aos poucos. Curiosas. “Não perguntamos a ninguém de onde é que vinham, claro. A porta estava sempre aberta.” Mas muitos moram ali à volta, sabem, agora. Manuel, 82 anos, é um deles. A dramaturga Marta Bernardes, encontrou-o a chegar a casa. “O prédio mesmo em frente, segunda janela, que, olhe, até deixei aberta”, conta, antes do ensaio começar, na quinta-feira à noite. “Se for qualquer informação aqui do bairro eu sou o mais antigo, diga lá.” Não era. Perguntaram-lhe se sabia cantar. “Eu pensava que era para o rancho folclórico.” Convenceram-no a ir a um dos encontros e durante o processo de criação colectiva pediram-lhe que contasse uma memória de infância. “Não me lembrei de nenhuma até que vi que a Maria tinha uma pedra na mão. Ri-me. Sabe, senhora, eu rachei a cabeça a um colega meu. Com uma pedra.” E contou a história que vai agora contar, perante um público.

Partindo do jardim como “ilha utopia, “pegamos neste sentido mais universal das pedras”, explica a directora artística. “Pensamos: como é que as pedras observam tudo isto?” Em silêncio. Pedras “que estão aqui” e que, “como nós”, resistem: “ao ser humano, à memória e à incúria”. “É curioso, porque estávamos a falar e no museu que ardeu no Rio de Janeiro uma das coisas que resistiu à destruição foi, precisamente, um meteorito.” 

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