Os vinhos muito caros ou como se pode ser feliz gastando pouco

O verdadeiro enófilo, aquele que anseia provar todos os bons vinhos do mundo, ou tem muito dinheiro ou então deve viver em sofrimento permanente, triste por só conhecer muitas marcas icónicas apenas pelo nome.

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Pedro Granadeiro/NFactos

Há cada vez mais vinhos a serem vendidos como objectos de luxo, fora do mercado tradicional, e aos quais só os milionários conseguem aceder. Garrafas de vinhos que custam milhares de euros deixaram há muito de ser uma excentricidade. Nomes como Henri Jayer, Romanée-Conti, Domaine Leflaive (Borgonha), Latour, Petrus, Margaux, Haut-Brion, Lafite, Mouton, Château d`Yquem (Bordéus), Krug ou Salon (Champanhe), entre outros, estão hoje ao nível de famosas marcas de roupa ou de relógios.

O vinho está cada vez menos democrático e é uma pena. Mas, como acontece com tantos outros produtos, os vinhos realmente caros estão vendidos por natureza. A grande dificuldade de quem os produz é gerir a procura, além, claro, de manter a qualidade sempre alta.

Tirando os ricaços que bebem apenas pelo estatuto, sem chegarem a perceber realmente o vinho, quem bebe um desses vinhos lendários não desfruta apenas do líquido. Desfruta de um nome e de uma história famosas e vive uma experiência rara - e a vida não é mais do que uma soma de experiências. A vontade de viver essa experiência única leva-nos, por vezes, a cometer pequenas loucuras. Quem, num momento especial, nunca perdeu a cabeça com um grande vinho, gastando, vá lá, umas centenas de euros por uma garrafa?

O problema é sempre o dia seguinte, quando nos assola a pergunta inevitável: “Valeu mesmo a pena?”. É tudo uma questão de proporção. Se gastar mil ou cinco mil euros numa garrafa de vinho não me faz qualquer diferença, essas dúvidas nem se colocam. O próximo desafio é comprar um vinho ainda mais caro. Se o meu orçamento não me permitir esses luxos, então a resposta é invariavelmente a mesma: não valeu. Com o mesmo dinheiro podia ter comprado várias garrafas de vinhos com menos nome mas com qualidade semelhante.

Claro que lamento não ter dinheiro para poder comprar os Romanée-Conti desta vida. Tirando um ou outro, o mais certo é nunca provar a maioria dos vinhos mais caros do mundo. Ainda assim, não vivo deprimido com isso. Posso estar enganado, mas o mais certo era desiludir-me com a maioria deles. Não com o vinho em si, mas com a sua relação qualidade/preço. Salvo os vinhos fortificados, mais longevos por natureza, um branco ou um tinto tranquilo, mesmo com a chancela Domaine Leflaive ou Petrus, por exemplo, são por natureza frágeis e efémeros, pelo que, tirando a sua fama e a raridade de alguma colheita, não há nada mais que possa justificar o seu elevado preço. Um pouco mais de complexidade ou delicadeza, uma nota aromática distinta ou um sabor mais refinado não justificam diferenças de preços de milhares de euros.

Um dos vinhos portugueses mais caros do mercado é o Quinta do Noval Nacional Porto Vintage 1963. Custa mais de cinco mil euros. Uma certa noite tive a sorte de partilhar de duas garrafas desse vinho na própria Quinta do Noval. Este Vintage, proveniente de uma pequena vinha pré-filoxérica de dois hectares, é realmente espantoso. Mas já bebi outros vintages, alguns até mais velhos, bastante mais baratos e de nível aproximado.

Nessa noite na Quinta do Noval, dos muitos grandes vinhos que se beberam, o que mais me impressionou e emocionou foi o Quinta do Noval Porto Colheita 1964, que custava na altura pouco mais de 300 euros. Bem sei que estamos a falar de dois estilos de Porto diferentes. No entanto, o que está aqui em causa é o nível de prazer que cada um dos vinhos proporcionaram e a memória que deixaram. Mais recentemente, voltei a beber o Colheita 1964 e já não me causou o mesmo impacto.

O vinho, independentemente do preço, é o momento. Já bebi vinhos caríssimos em provas abertas dos quais já nem recordo o nome. Por serem muitos e bebidos ao mesmo tempo, passaram por mim como certa comida Michelin: soube bem, mas no dia seguinte não fui sequer capaz de repetir o nome do prato e dos ingredientes. Uma garrafa apenas, mesmo que de um vinho barato, bebida no momento certo e com a companhia certa, pode emocionar-nos mais do que o vinho mais caro do mundo.

As voltas da vida trouxeram-me de novo a Favaios, onde durante os anos que lá vivi nunca me apercebi da verdadeira beleza desta vila pousada sobre um imenso planalto (o maior do Douro) coberto de vinhas de Moscatel Galego (como é possível que Favaios não seja uma Denominação de Origem Protegida? Porquê estender a classificação do Moscatel Galego a toda a região duriense, se a tradição e o grosso da área de vinha de Moscatel estão em Favaios?). Ironia do destino, acabei vizinho da mesma proprietária que, há uns 30 anos, me vendeu uns garrafões de Moscatel fortificado. Era um Moscatel muito velho. Na cor, confundia-se com um Porto Tawny. Não devo ter bebido mais do que dois copos desse vinho (partilhei com amigos, ofereci uma parte, desisti da outra), mas, fosse pela circunstância ou pela idade (estava a começar a interessar-me pelos vinhos), será sempre um dos vinhos da minha vida.

Nem a senhora teria a noção do verdadeiro valor do vinho, nem eu já era capaz de entender o que realmente tinha comprado. Hoje, tenho a certeza que bebi algo de muito especial (em Favaios, ainda há bastantes produtores que guardam moscatéis deste nível e idade em casa). E sei também que paguei por ele um preço indecente: cinco contos o garrafão.

PS: No último Elogio do Vinho escrevi que o vinho Ilha, da madeirense Diana Silva, é o primeiro vinho tranquilo de Tinta Negra da Madeira. Não é verdade. Francisco Albuquerque, enólogo da Madeira Wine Company, foi o primeiro a produzir e a engarrafar um vinho estreme de Tinta Negra, com a marca Torcaz. As minhas desculpas ao visado e aos leitores.

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