Lisboa em versão nem preto-nem branco

Enquanto os “urbanólogos” discutiam o futuro de Lisboa no Torreão Poente do Terreiro do Paço, na frente da praça decorria o Socca World Cup

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Há uns meses, o geógrafo João Seixas usou o clássico Apocalípticos e Integrados, que Umberto Eco publicou em 1964, para notar que o debate sobre o futuro de Lisboa é feito de extremos: as reacções “eufóricas” e as “repulsivas”, “as vozes dos que adoram e dos que detestam”.

Detestam ou adoram Fernando Medina, detestam ou adoram o turismo, detestam ou adoram as mudanças no centro da cidade. Uns vêem a “grande transformação” de Lisboa como “demasiado vertiginosa e pouco governada”. Outros só vêem progresso.

Agora, como co-comissário da exposição Futuros de Lisboa (Museu de Lisboa, Terreiro do Paço), com o arquitecto Manuel Graça Dias e a engenheira ambiental Sofia Guedes Vaz, João Seixas está a dar voz a “urbanólogos” e especialistas que estarão algures entre o amor e o ódio. Nem preto, nem branco. Há vários debates programados; o primeiro foi ontem.

O lugar e o dia não podiam ter sido mais bem escolhidos. Enquanto os “urbanólogos” discutiam o futuro de Lisboa no Torreão Poente do Terreiro do Paço, na frente da praça decorria o Socca World Cup, uma modalidade de futebol de seis, num estádio ali montado com três mil lugares. Se alguém pedisse uma imagem de Lisboa, não do futuro mas do presente — e a da festa permanente e espírito de Disneylândia — seria difícil pensar numa melhor (quando fui ver os resultados percebi os gritos e apitos que ouvimos durante todo o debate: a Polónia marcou quatro golos contra a Tunísia e a Alemanha marcou sete golos contra Angola).

Não sei se alugar o Terreiro do Paço — símbolo do poder em Portugal — para festas, feiras e futebol faz parte da “revolução urbana” de que os especialistas falam, mas espero que não faça parte do futuro.

As pistas para o futuro de Lisboa vão em muitas direcções. Desta conversa entre economia e ecologia, ficaram algumas: temos de reler Adam Smith porque a ideia da “mão invisível” é uma referência pontual da sua obra, disse Sofia Santos, uma economista ambiental, não o centro da sua ideia de capitalismo. E temos de recuperar o Adam Smith que defendeu a importância de os agentes económicos “maximizarem” com a “felicidade dos outros” em mente. Voltar ao Adam Smith, defendeu, num contexto de século XXI. Temos de aceitar que seria impossível pensar que “íamos ficar aqui sossegadinhos e com preços do imobiliário acessíveis, pelo amor de Deus!”, disse o economista António Alvarenga. “O mercado é um tufão, não vem do planeamento. É como um bando de pássaros que voa muito depressa e se desvia de obstáculos rapidamente. E temos de abrir, abrir, não se pode fechar. Vejo os cartazes a dizerem ‘Lisboa para os lisboetas’ e penso em Donald Trump.” Temos de explorar o potencial de Lisboa como “walkable city” e resolver os problemas de mobilidade no espaço metropolitano das “três milhões de pessoas distribuídas por não sete, mas sete mil colinas”, disse o engenheiro ambiental João Pedro Gouveia.

A próxima conversa vai confrontar tecnologia e humanidade — é no dia 10 de Outubro (no mesmo local, às 18h, com Cristina Gouveia, António Câmara, Manuel Sobrinho Simões e Rita Marta). Não sei que festa está programada para o Terreiro do Paço nesse dia.

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