Imposto por inércia e duas perguntas à volta da estética

Não seria melhor que os partidos impedissem situações de abuso de autoridade pública como a que aqui descrevo?

1. Vários factores contribuem para o cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis, para além da área e do valor base dos prédios. Refiro-me aos coeficientes de localização, afectação, qualidade, conforto e vetustez. Podendo todos estes parâmetros variar com o tempo, há um que é absolutamente objectivo, precisamente por causa do tempo. Trata-se do coeficiente de vetustez (curiosa esta expressão), que é função do número inteiro de anos decorridos desde a data de emissão da licença de utilização ou da conclusão das obras de edificação. Varia entre o factor 1 para os imóveis com menos de dois anos e 0,4 para os que já ultrapassaram os 50 anos de vida.

Repito: a vetustez é objectiva. Não pode ser modificada, seja por arbítrio da Administração Fiscal, seja por “manipulação” do sujeito passivo. Como tal, a alteração desse factor através da passagem dos anos nem sequer precisa de ser provada, pelo que deveria ser automática.

Mas não é. O Estado, além dos impostos directos, dos indirectos, dos dissimulados de taxa e dos de tesouraria (por exemplo, o excesso de retenção em IRS), tem uma quinta modalidade de cobrar mais, sem que tal reflicta o espírito da lei. Chamar-lhe-ia uma espécie de “imposto por inércia”, pelo qual o Fisco deixa andar as coisas e cobra um valor por excesso em relação ao que está legalmente estabelecido.

É, aliás, deveras curiosa a conduta fiscal de “dois pesos, duas medidas”: a não consideração automática já referida da idade do imóvel, mas a consideração automática do valor de construção por metro quadrado (médio e base), que é fixado anualmente sob proposta da Comissão de Avaliação de Prédios Urbanos.

Em minha opinião, é – objectivamente – uma situação de má-fé fiscal, ilegal, injustificada e abusiva. O Estado tem – e bem – evoluído na sua relação com os cidadãos por via do desenvolvimento dos sistemas electrónicos, mas neste caso ignora olimpicamente um automatismo sem qualquer dificuldade de pôr em prática. Não é o mesmo Estado que altera tantas situações em função de factores objectivos (por exemplo, da nossa idade) quando é para complicar a nossa vida ou alterar benefícios sociais, deduções fiscais, etc.?

Ao invés, o Fisco define, quase a seu bel-prazer, a mudança dos outros coeficientes, sem necessidade de qualquer justificação ou demonstração. Por exemplo, acontece muitas vezes que um contribuinte pede a alteração do coeficiente de vetustez (que é aceite), mas tal pedido acaba por conduzir a uma alteração discricionária, por exemplo do coeficiente de localização, que anula ou inverte a diminuição do VPT resultante da idade do imóvel. Em linguagem popular, corre-se o risco de ir buscar lã e voltar tosquiado...

A situação é tão absurda que a aceitação fiscal da diminuição do coeficiente de vetustez a pedido do contribuinte nem sequer retroage para o ano em que tal alteração deveria ter sido concretizada automaticamente. Pelo contrário, só tem efeito no ano seguinte ao do pedido. Acresce que, em imóveis em propriedade horizontal, o coeficiente de vetustez alterado para um proprietário que pediu a respectiva conformidade com a idade de todo o imóvel só à sua fracção se aplica. Ou seja, fracções iguais terão VPT diferentes. Eis a negação do princípio da equidade fiscal em todo o seu esplendor!

Não seria melhor que os partidos que tanto gostam de ter iniciativa parlamentar para agravar impostos por tudo e por nada, impedissem situações de abuso de autoridade pública como a que aqui descrevo? A discussão do OE 2019 é uma boa oportunidade para isso.

Louva-se a acção da Deco, que tudo tem feito para inverter este abuso. Lançou um simulador há cinco anos, através do qual foram feitas mais de 900 mil simulações, onde se detectaram cerca de 95 milhões de euros cobrados indevidamente. Em média, cada um pagou mais 100 euros do que deveria. Enfim, no meio de tantas minudências espumosas, os deputados ignoram estas arbitrariedades que se eternizam…

2. Duas perguntas:

– O primeiro-ministro foi em viagem de Estado a Angola. À chegada, teve honras militares e foi acompanhado na correspondente revista por um governante angolano. Ao contrário deste, vestia um casaco desportivo, camisa aberta, uns jeans descuidados e uns mocassins, como quem vai para a praia. Dir-me-ão que se trata de um detalhe (estético) numa viagem de (aparente) sucesso. Mas pergunto: António Costa estaria assim trajado se o país fosse, por exemplo, a Alemanha, a França ou os Estados Unidos? Eu tirei as minhas conclusões...

– Depois de meses de tacticismo e fingimento, foi tornada pública a indigitação da nova procuradora-geral da República. A Dra. Joana Marques Vidal, pela sua notável e corajosa dedicação à causa pública, não teria, ao menos, merecido – para além de meras palavras de circunstância – ter tomado conhecimento desta decisão de outra maneira (segundo as suas palavras foi informada uma hora antes!)? Pareceu tudo muito grosseiro e injusto. Será que a política está agora isenta de ética institucional e de estética relacional?

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