Não é o fim com os Low. É só o fim da esperança

Vinte e cinco anos e doze discos depois, os americanos editam um álbum de uma fascinante radicalidade. Este sábado apresentam-no em Lisboa.

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Uma espécie de caos organizado que soa inteiramente novo Paul Husband

Eis um surpreendente álbum que consegue captar a desordem do presente com uma notável justaposição de sons e palavras, que nos devolvem momentos de serenidade ou de desorientadora impiedade. Vinte e cinco anos e doze álbuns depois, talvez poucos esperassem que os americanos Low editassem um álbum desta radicalidade. Mas fizeram-no, sem compromissos, desafiando-se a si próprios e aos seus admiradores.

Conhecidos pela música lenta, minimalista, triste e bela, com vozes femininas e masculinas, os Low ensaiam outra coisa em Double Negative. Não é obra fácil. Exige imersão. Ondas de distorção assaltam o ouvinte desde o primeiro momento, embora o lado mais etéreo e harmónico de Alan Sparhawk (voz e guitarra), Mimi Parker (bateria e voz) e Steve Garrington (baixo) também se faça sentir. A aptidão para criar momentos de sensibilidade melódica ou de ambientalismo abstracto, está intacta, mas dir-se-ia que agora existe uma espécie de caos organizado que soa inteiramente novo, apesar de baseado no mesmo pressuposto de utilizar o mínimo de elementos para captar o máximo de emoção.

Ao que parece o trio levou dois anos a gravar o álbum na companhia do produtor BJ Burton, responsável também pela transformação sonora encetada por Bon Iver no álbum 22, A Million (2016), ou por The Colour in Anything (2016) de James Blake. Aqui essa metamorfose é ainda mais vincada. Por vezes as letras são obscurecidas pela distorção. Outras vezes as vozes são manipuladas quase como se fossem irradiações alienígenas.

Dancing and fire é uma das poucas canções onde as vozes são decifráveis, com Alan Sparhawk a cantar “It’s more a let it out than let it go, it’s not the end, just the end of hope”, num daqueles exercícios de sombras e luz que define o universo austero dos Low. Nessa, como nas restantes canções, os climas contam tanto como as palavras. Nesse sentido está longe de ser o característico álbum de teor político. Aqui a estética e a política são indissociáveis. Não existem perguntas ou respostas para dar. Apenas palpitações, desolação, ruído, sonhos que se transformam em pesadelos.

São temas de grande profundidade de campo que parecem captar momentos imortais e contextos inteiros, configurados numa música que paradoxalmente expõe também delicadeza. Música não enraizada em qualquer tipologia reconhecível, um laboratório permanente onde o único objectivo parece ser a procura de uma certa transcendência. Há pausas, respirações, climas áridos, vozes trémulas, alguma claustrofobia encharcada em electrónicas, ambientes fantasmagóricos e melodias inesperadas. Um panorama nebuloso, mas cortado por uma sensibilidade à flor-da-pele. Como é que todo este fascinante mundo dos Low, que é afinal o nosso, irá ser traduzido ao vivo é o que iremos saber este sábado quando os três músicos subirem ao palco do espaço Lisboa ao Vivo.

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