A fraude da proporcionalidade eleitoral (3)

Debate em Portugal sobre este tema não há. Ficou resolvido em 1976. E 40 anos depois nada mais aconteceu.

1. Nos dois últimos artigos publicados, argumentei que a atual lei eleitoral não garante a proporcionalidade nos termos do artigo 149.° da Constituição, favorecendo o PS e o PSD à custa dos restantes partidos e eliminado os pequenos partidos. Isso deve-se aos círculos eleitorais, sendo a desproporcionalidade agravada com a enorme dispersão de votos registada desde 2011. E sugeri que a lei eleitoral, na ausência da prometida reforma de 1997 (já lá vão 20 anos, mas o PSD e o PS têm andado muito ocupados com outras coisas), simplesmente possa incluir um círculo nacional de compensação ou substituir os distritos (herança do Estado Novo) pelas NUTS 2 como círculos eleitorais.

2. A constitucionalidade da atual lei pode ser defendida, como argumentaram, também neste jornal, o Jorge Pereira da Silva, um dos melhores constitucionalistas da minha geração (serei provavelmente enviesado, porque temos uma amizade que vem desde o Colégio Militar), e o deputado do PS Pedro Delgado Alves. Mas o argumento passa por estabelecer que o princípio normativo que define “proporcionalidade” do ponto de vista constitucional não se esgota no princípio matemático da “proporcionalidade” (já depois de ter em conta as reconhecidas distorções do método da média mais alta de Hondt). Ora, se a distinção entre princípios normativos e conceitos matemáticos pode parecer semanticamente absurda, Rui Tavares, também neste jornal, toma o exemplo extremo de Portalegre para ilustrar a questão política: o PS e o PSD estão condenados a eleger um deputado cada, os restantes votos são absolutamente perdidos e inúteis.

3. Por interesse direto e pessoal, ilustro o problema discutido pelo Rui Tavares com um outro círculo eleitoral – o da emigração. Desde 1976, existem dois deputados pela Europa e dois deputados por Fora da Europa. Os resultados desde 1995 (na tabela apresentada) mostram várias perversões. Enquanto cada deputado do PS e da coligação PàF vale 20 mil eleitores (legislativas de 2015), cada deputado eleito nestes círculos vale menos de um terço. Depois, em 2005, o PS meteu apenas um deputado com mais votos do que o PSD, que meteu três. Os restantes votos são irrelevantes. A abstenção maciça é inevitavelmente a tónica dominante.

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4. A representação política da comunidade emigrante é uma questão controversa, em que duas linhas de argumentação se enfrentam: as especificidades da emigração (que pode ou não justificar um círculo eleitoral próprio) e o risco de chapeladas e fraudes eleitorais (dada a dimensão geográfica, o funcionamento das mesas eleitorais no estrangeiro e a possibilidade de voto por correspondência). Por exemplo, este debate tem sido muito aceso na Grécia, onde houve uma enorme diáspora durante a austeridade, em que os principais partidos (Syriza e Nova Democracia) não conseguem chegar a um acordo sobre como reequacionar a lei eleitoral para atender à nova realidade. Itália nos finais de 2001 e França em 2010 reformaram as suas leis eleitorais para redesenhar a representatividade política da emigração. Espanha e Alemanha mantêm o sistema de os votos da emigração contarem nos círculos eleitorais de onde partiram (não havendo, portanto, um círculo específico). Já na Turquia, o voto emigrante é simplesmente dividido de forma aleatória e proporcional entre os círculos eleitorais domésticos.

5. Debate em Portugal sobre este tema não há. Ficou resolvido em 1976. E 40 anos depois nada mais aconteceu, apesar das muitas mudanças da sociedade portuguesa. É verdade que o atual Governo finalmente aprovou legislação para facilitar a participação eleitoral da diáspora, mas não houve nenhuma discussão pública sobre o tema e adivinho que apenas teremos mais abstenção em 2019. Na minha opinião, há muito tempo que deixou de fazer sentido manter estes dois círculos, exceto como forma de oferecer três deputados ao PSD e um deputado ao PS. Como mínimo, os dois círculos deviam estar integrados e favorecer um grau mínimo de proporcionalidade. Com uma reforma da lei eleitoral mais ampla, deviam ser parte do círculo nacional.

6. A manter-se um círculo separado para a emigração, deveriam autorizar-se listas independentes e próprias em vez de escolhas de Lisboa. Ao contrário do caso italiano, por exemplo, a legislação portuguesa impede uma lista Portuguese Abroad ou equivalente. E a tentativa do Nós, Cidadãos fazer isso a partir de Macau em 2015 foi absolutamente truncada pelo cartel incumbente como sempre.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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