Depois de Pedrógão, continuaremos a ser monetariamente solidários?

Os apelos de Monchique chegaram, mas quantos de nós tivemos vontade de cometer o mesmo “erro”? Quem doou para Pedrógão Grande terá doado também para Monchique?

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Paulo Pimenta

A solidariedade é um dos vários idiomas do humanismo. Vive nos seres humanos que não só se preocupam com os outros, como também se sentem impelidos a agir de forma a diminuir o fosso de dificuldades em que esses outros vivem.

No passado, quando estive à frente de uma organização de liderança para jovens que presta serviços humanitários, tive sempre presente que o impacto das nossas acções seria bem maior através da acção solidária de cariz directo do que da doação de qualquer valor monetário por e simplesmente. E diga-se que muitas vezes esta acção se traduziu na aquisição de bens materiais propriamente ditos para posterior doação.

Pude verificar que o voluntariado é a escolha dos millennials em contexto de solidariedade, quer seja dentro das nossas portas ou através do voluntariado turístico. Cada vez mais, as viagens para os destinos exóticos sonhadas pelos pais são concretizadas pelos filhos através desta forma de voluntariado.

Naturalmente, a elevada carga laboral das gerações mais velhas ou a senescência da força física dos mais idosos levam a que a solidariedade nestas faixas etárias seja muita das vezes feita através de doações. Obviamente, toda a regra apresenta as suas excepções, sendo que alguns casos não se enquadram no cenário que apresento.

No entanto, observei isto mesmo que aqui apresento em relação à tragédia de Pedrógão Grande. Conheço muitos jovens que ajudaram no decorrer e no pós-tragédia com a força do seu trabalho e muitas pessoas de distintas faixas etárias que doaram quantias de dinheiro — mesmo dizendo, por fim, esperar que o mesmo não fosse desviado.

Todos somos mais ou menos cépticos em relação à forma como grandes quantias de dinheiro são geridas no nosso país mas, mesmo assim, o país e o mundo foram generosos com as famílias afectadas em Pedrógão.

Longe da nossa imaginação estaria também que poderíamos estar a ser generosos com as pessoas que se aproveitam de tragédias deste tipo para enriquecimento pessoal. Esta realidade, a ser comprovada e devidamente julgada, é preocupante e já teve as suas consequências humanas: as famílias afectadas pelos incêndios em Monchique que o digam.

Os apelos de Monchique chegaram, mas quantos de nós tivemos vontade de cometer o mesmo “erro”? Quem doou para Pedrógão Grande terá doado também para Monchique?

Todos os dias, a tragédia de Pedrógão é maior porque produz vítimas abstractas, qualquer cidadão que, amanhã, venha a precisar de ajuda humanitária. Esta, contudo, está condenada a não chegar porque as pessoas deixaram de exercer a sua solidariedade, deixaram de acreditar que a mesma serve o verdadeiro público-alvo, ou seja, quem verdadeiramente precisa de ajuda.

Pergunto-me o que pensarão, neste momento, todos aqueles que, a nível internacional, uniram esforços para ajudar Portugal com a tragédia de Pedrógão? 

E a verdade é que todos sabemos que, perante uma situação de tragédia, as doações são essenciais, independentemente da faixa etária de origem para prestar o auxílio rápido e eficaz que os afectados por tragédias necessitam.

Resta-me acreditar que o humanismo continuará a ser mais forte do que a maré negra de corrupção instaurada na nossa sociedade, que destrói tudo por onde passa — menos a esperança no amanhã.

A escolha não passa por deixarmos de ser solidários, mas sim pela denúncia e pela luta contra a corrupção e o aproveitamento ilícito, sobretudo quando envolve o Estado que nos pertence a todos.

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