Boa noite e bem-vindos à Bola Maciça

A Bola Maciça não é apenas uma crítica ao mundo dos média. É um exemplo de humor inteligente e montypythiano no qual vale praticamente tudo.

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Todos nós já nos demos por vencidos depois de uma má semana, sem saber se se pagou a conta da EPAL ou quando vence a oitava prestação da torradeira. Em dias desses quase nunca nos lembramos que uma das melhores coisas da vida é rir dela, pelo menos até onde a nossa imaginação o permitir.

Foi mais ou menos isso que fizeram os criadores da nova série cómica da SIC Radical, A Bola Maciça, que se não anda a causar desassossego e vontade de rir no público português é porque há algo de errado com a nossa sensibilidade. Tenho-me fartado de rir com este noticiário distópico e opressivo aparentemente inserido num universo em que o tom e o aspecto da televisão dos anos 70 temperam os problemas absurdos de um futuro próximo. Se acompanharem as peculiares publicações do Facebook e Instagram d’A Bola Maciça verão como se parece tratar de uma emissora que controla a disseminação de toda informação com notícias que reflectem uma sociedade bizarra, cheia de problemas viscerais e com filtros cuidadosamente avariados. Um pouco como a nossa, mas despreocupadamente aleatória.

António Safra-Nelson e a forma como faz jornalismo sério num mundo onde nada se salva (nem a juventude), Lena, a repórter sexualmente reprimida cuja linguagem corporal é tão descontrolada quanto a sua concentração, o Gajo do Ultramar e o modo absurdo como testemunha as notícias mais agressivas escarrando naturalidade para cima delas. Dante Rogério e a delicadeza ofensiva com que descreve a estrela televisiva Narciso Jackson, a genial rubrica “Mundos Culturas” de Vendegardo Cunha, o dócil jornalista-de-secretária cujo vício em cocaína e prostitutas o torna um alvo fácil para as chantagens da sua própria emissora, e o ex-tenista Carlos Moncada que, depois de 15 anos preso no Vietname, se dedica à carreira de magistratura para se tornar juiz de reality tv.

Estes são apenas alguns dos jornalistas, repórteres e personagens dos primeiros dois episódios (de seis) d’A Bola Maciça, que não é apenas uma crítica ao mundo dos média tanto quanto é um exemplo de humor inteligente e montypythiano no qual vale praticamente tudo. A escrita de Hugo Simões e Luís Francisco Sousa é deliciosa por ser cuidadosamente desarticulada, como se o universo fantástico d’A Ilha do Dia Antes se unisse à linguagem densa e acelerada d’O Outono do Patriarca e Umberto Eco se tivesse juntado a García Marquez para escrever comédia, sem darem o braço a torcer à sua eventual falta de jeito. Ademais, a série beneficia de um elenco promissor no qual se incluem os autores e nomes como Catarina Raimundo, José Manuel Sousa e Inês Silva Dias, a quem não falta versatilidade, timing e rigor no manusear das suas interpretações. Notem que provavelmente nada disto seria tão bom sem a qualidade técnica da produção encabeçada pela Rita Cabrita, da qual resultou um programa com uma estética apurada sob o crivo de um excelente trabalho de edição.

A Bola Maciça começa todas as sextas-feiras por volta da 00h10 na SIC Radical, depois do Irritações. Eu não vou perder os próximos episódios, a não ser que o universo sofra alguma anomalia que o deixe à beira de uma catástrofe e nos ponha a andar ao toque de caixa de um regime de censura que me impeça de ligar a televisão a essa hora. Estejam atentos ao noticiário, nunca é demais estar informado.

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