Os caminhos que Costa abriu na viagem a Angola

É normal que Portugal continue a ser um destino preferencial do investimento angolano, mas de preferência mais associado a novos empresários e empreendedores.

A visita de dois dias do primeiro-ministro a Angola serviu essencialmente como desbloqueador oficial entre Estados após um período de estagnação e abriu novos caminhos. Dos acordos subscritos em Luanda, há cinco que merecem destaque por fazerem bem o retrato das relações entre os dois países: o do programa estratégico de cooperação 2018-2022, o acordo para assistência mútua em matéria tributária, o memorando de entendimento ligado ao pagamento de dívidas em atraso, a assinatura da convenção para eliminar a dupla tributação e a “declaração comum de intenções” para que seja implementada a protecção recíproca de investimentos.

O primeiro porque remete para um futuro que se quer mais previsível e organizado, mais ou menos calendarizado. O segundo surge ligado a esse futuro, com Lisboa a mostrar onde pode fazer a diferença face a outros parceiros – sublinhando-se aqui o lado bom das ligações históricas – ao apoiar a introdução do IVA no país, algo que deve acontecer já no ano que vem e é fundamental para diversificar as fontes de receitas de Angola. Aqui, resta também saber se Luanda não quer também reforçar as alianças para ajudar a identificar dinheiro saído de forma ilícita do país.

O terceiro liga-se a todos os períodos temporais – passado, presente e futuro –, já que há o compromisso para identificar e pagar as dívidas oficiais em atraso para com empresas portuguesas.

Aqui, uma pausa para destacar uma discrepância de valores, com Luanda a falar em 390 milhões de euros e Portugal a identificar 400 a 500 milhões. Destes 390 milhões, apenas 90 estão contabilizados oficialmente, faltando certificar outros 300 milhões (algo que indicia que haverá pouca tolerância para negociatas e contas menos claras). Isso terá de ser feito até ao final de Novembro, espera-se, quando o Presidente de Angola, João Lourenço, visitar Portugal, com a respectiva clarificação do método de pagamentos.

Este é dinheiro vital para as empresas credoras, tal como é a obtenção de divisas para repatriar os pagamentos feitos. Mesmo em empresas com uma boa tesouraria, problemas como estes são estrangulamentos ao funcionamento e planeamento. Ao mesmo tempo, este processo evidencia um outro aspecto de Angola: o de que é melhor contar com problemas nos pagamentos, como atrasos, algo que requer liquidez, tolerância ao risco e uma estratégia de longo prazo.

O quarto acordo, a assinatura da convenção para eliminar a dupla tributação, pode marcar um novo capítulo nas relações entre Estados, destacando-se Portugal pela sua maior presença, com empresas e trabalhadores a escaparem à ameaça de pagarem impostos por duas vezes. Depois de vários arranques em falso, agora parece que é a sério. Mas depois do acto oficial a maior ou menor morosidade da sua concretização no terreno servirá como barómetro real da ligação entre Estados.

Por fim, o quinto, a “declaração comum de intenções” para que seja implementada a protecção recíproca de investimentos. Este, apontando ao futuro, serve para mostrar todo o caminho que falta percorrer quando já devia estar trilhado.

Angola precisa de produzir mais e importar menos. Neste momento, com a crise ainda a assombrar o país e o FMI prestes a oficializar a ajuda financeira e técnica – o que trará dores de crescimento económico –, tanto as exportações portuguesas de bens para Angola como os investimentos já conheceram melhores dias. Tudo indica que isso será invertido, e o potencial está lá – é preciso é melhorar as condições, como ao nível das infra-estruturas e do ambiente dos negócios, diminuindo a corrupção, algo a que João Lourenço tem prestado atenção nos seus 12 meses de mandato.

Quanto a Portugal, é normal que o país continue a ser um destino preferencial do investimento angolano, mas de preferência mais associado a novos empresários e empreendedores e não apenas a grandes nomes da elite ligada ao MPLA e ao Estado angolano.

Neste aspecto, será interessante ver como evolui a relação entre João Lourenço e Isabel dos Santos, accionista da Galp (ao lado da Sonangol na Amorim Energia, e onde o Estado português ainda se mantém como accionista), do Eurobic, da Nos e da Efacec, num quadro de mudança de regime que levou esta semana à prisão do seu irmão, José Filomeno dos Santos (Zenu), algo impensável há um ano. Isto poucos dias depois de o Presidente da República ter reforçado os seus poderes ao assumir também a presidência do MPLA, substituindo de vez José Eduardo dos Santos.

A viagem de António Costa a Luanda marcou o princípio de uma nova fase entre Portugal e Angola. O próximo passo será dado por João Lourenço.

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