Na Bósnia, sob influência

A Árvore é um exercício de apropriação de um imaginário e de um estilo, mas não chega a ultrapassar essa condição.

Exercício de apropriação de um imaginário e de um estilo
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A Árvore é um filme luso-bósnio, rodado por André Gil Mata em Sarajevo, com actores e técnicos locais. Mas não é apenas um filme rodado por um português em paragens estranhas, é um filme que se coloca deliberadamente “sob influência”, uma influência estilística colhida nalgumas das mais célebres tradições (para assim lhes chamar) do cinema da Europa de leste. Viria a propósito a lembrança daquele peculiar “clima” de certos filmes de Tarkovski, onde a aproximação muito física aos homens e à natureza abre a porta a todas as ressonâncias metafísica; e vem a propósito, muito especificamente, o cinema de um dos herdeiros de Tarkovski, o húngaro Béla Tarr, de quem André Gil Mata foi aluno. Gil Mata aprendeu com ele o segredo do plano-sequência, logo, “coreografado”, extremamente móvel, cheio de “tempo” — logo a abertura, que é notável (e completamente “tarr-eana”), um movimento de câmara que recua do exterior para interior (há zoom e há movimento do eixo da câmara), revela as personagens, e “dança” lentamente no interior da casa, de divisão em divisão. Depois, sai-se para a rua, uma rua nocturna, invernal, e o protagonista carrega às costas uma vara cheia de garrafões — durante alguns minutos toda a matéria do filme concentra-se no esforço do homem (dado numa espécie de “tempo real”, enquanto caminha e caminha) e no tilintar, quase hipnótico, do embate dos garrafões de vidro uns contra os outros.

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Entra-se em territórios mais alusivos, seguidamente — da guerra indefinida que marca o fundo narrativo a elementos que o filme oferece a todas as possibilidades simbólicas. A aldeia, a floresta, a árvore, o rio (que propicia uma citação, dir-se-ia expressa, de uma referência exógena neste contexto, A Sombra do Caçador de Laughton). O primeiro diálogo significativo só acontece nos últimos minutos, no encontro do velho protagonista com uma criança, em plena floresta — como um encontro de tempos, ou um encontro de “guerras”. Mas, por essa altura, Á Arvore já deixou dissipar uma parte considerável da energia da sua primeira vintena de minutos, e o encontro parece apenas uma maneira de “arredondar” a história, pôr um fim ao que podia continuar indefinidamente. Não mudamos de ideias em relação ao que pensámos quando o filme passou no IndieLisboa: A Árvore é um exercício, parcialmente conseguido, de apropriação de um imaginário e de um estilo, mas que não chega verdadeiramente a ultrapassar essa condição; ao mesmo tempo, deixa genuína curiosidade quanto ao que Gil Mata, realizador que tem experimentado registos e códigos muito diferentes de filme para filme, fará futuramente sobre as raízes desta Árvore.

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