Dietas mediterrânica e vegetariana: improváveis aliados

Uma adesão estrita a uma dieta mediterrânica tem evidentes benefícios: uma recente revisão dos estudos científicos sugere uma taxa de mortalidade 10% mais baixa e uma taxa de incidência de doenças cardiovasculares 9% mais baixa, comparativamente com as dietas convencionais.

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Jessica Lewis/Unsplash

Os portugueses seguem um regime alimentar mediterrânico? E, na verdade, o que é uma alimentação mediterrânica? Foi em 1945 que este conceito surgiu pela primeira vez, avançado pelo biólogo norte-americano Ancel Keys e por Margaret Keys, a sua esposa e colaboradora, com vista a explicar a baixa incidência de problemas cardiovasculares nas populações da Grécia e sul de Itália, na respectiva época.

A identificação deste regime alimentar remonta a algo que ficou celebremente conhecido como o “Estudo dos Sete Países”, conduzido pelo casal Keys durante 15 anos, abrangendo observações feitas na Grécia, Itália, Finlândia, Japão, Holanda e EUA. As conclusões deste estudo demonstravam uma evidente ligação entre os problemas coronários (como é o caso do enfarte) e os níveis elevados de colesterol sanguíneo, com uma notória excepção paradoxal identificada pelos autores nos povos da bacia do Mediterrânico, onde a relação parecia ser inversa, pois o consumo frequente de gordura insaturada aparentava estar ligado com uma incidência de problemas cardiovasculares bem inferior à observada nos outros países, como os EUA.

Os investigadores pretendiam incluir também Portugal neste estudo, pois Ancel Keys considerava que a população portuguesa seguia uma das mais puras dietas mediterrânicas. António Oliveira Salazar, contudo, recusou que Portugal participasse, pois entendia que a dieta mediterrânica era uma “dieta dos pobres”. O que é certo é que, actualmente, entre as fileiras dos nutricionistas portugueses, parece ser consensual que a “dieta dos pobres” é o arquétipo da alimentação humana.

O casal Keys teve, no entanto, que aguardar quase duas décadas até a dieta mediterrânica finalmente começar a ser mundialmente validada. O conceito permaneceu despercebido até ganhar finalmente popularidade em 1993, numa conferência em Cambridge, na qual a Harvard School of Public Health e a Organização Mundial de Saúde introduziram formalmente o conceito e apresentaram a respectiva pirâmide alimentar. Pode-se dizer que o ápice desta validação foi quando, a 4 de Dezembro de 2013, a UNESCO reconheceu a dieta mediterrânica como Património Cultural Imaterial da Humanidade em vários países da Europa e do Norte de África, Portugal inclusive.

E no que consiste ao certo esta mítica dieta, que parece ter ficado perdida no tempo, como uma relíquia antropológica? Embora existam diversas variantes, associadas aos vários países da bacia mediterrânica, parecem existir alguns elementos comuns:
- consumo diário e elevado de hortaliças, leguminosas, frutas, cereais não refinados, sementes e frutos secos;
- utilização do azeite como gordura de eleição para cozinhar ou temperar alimentos;
- doses moderadas a frequentes de peixe e doses pouco frequentes de carne branca (cerca de duas porções por semana);
- consumo baixo a moderado de lacticínios (queijo, leite);
- consumo raro de carnes vermelhas ou processadas (uma porção por semana ou menos);
- consumo moderado de vinho a acompanhar as refeições.

As carnes, como podemos observar, ocupam uma porção fraccionária desta alimentação. É recomendável que o seu consumo seja feito numa base semanal, cerca de uma vez a duas vezes por semana, mas não diariamente, conforme acontece no nosso quotidiano. Talvez o aspecto mais distinto desta dieta seja a presença do azeite, cujo consumo regular está associado a uma menor incidência da doença cardiovascular.

Uma adesão estrita a uma dieta mediterrânica tem evidentes benefícios: uma recente revisão dos estudos científicos sugere uma taxa de mortalidade 10% mais baixa e uma taxa de incidência de doenças cardiovasculares 9% mais baixa, comparativamente com as dietas convencionais.

Apesar dos benefícios claros, em Portugal, um estudo de 2007 dava conta de uma diminuição da adesão das famílias portuguesas ao padrão alimentar mediterrânico. Perto dos anos 80 começou a ser trocada por outros hábitos menos benéficos para a saúde. Há quem o explique associando o fenómeno à globalização, que fez com que a carne se tornasse mais acessível e, por conseguinte, passasse a integrar quase todas as refeições. Com razão, este tem sido um motivo de preocupação junto dos nutricionistas.

Contrariamente, o regime alimentar vegetariano aparenta gozar de uma crescente popularidade junto da comunidade portuguesa. E os leitores poderão questionar: o que tem uma coisa a ver com a outra? À primeira vista, a dieta mediterrânica não aparenta ter ligação com a vegetariana; cada macaco no seu galho, poder-se-ia dizer. Há quem, inclusive, os coloque em duelo constante, procurando apurar um vencedor na corrida pelo pódio das dietas.

Eu proponho que vejamos por outro ponto de vista. Que as entendamos como improváveis aliados. Se olharmos para a pirâmide alimentar mediterrânica, podemos facilmente observar que a alimentação é constituída predominantemente por alimentos de origem vegetal e, portanto, bastante próxima do vegetarianismo.

Ambos os estilos de alimentação têm em comum o consumo regular de gorduras monoinsaturadas e de elevadas quantidades de fibra e alimentos antioxidantes e, em contrapartida, um baixo consumo de gorduras saturadas, prejudiciais à saúde. Por um lado, a dieta mediterrânica parece ser mais eficaz em reduzir os níveis de triglicerídeos no sangue, ao passo que a vegetariana é mais eficaz na redução dos níveis de colesterol lipoproteico de baixa densidade (vulgo colesterol mau). Mas não parece existir uma dieta melhor do que a outra.

De acordo com os autores do estudo italiano publicado em Fevereiro de 2018, que chegou a estas conclusões, a dieta vegetariana equilibrada pode ser tão eficaz quanto a dieta mediterrânica na prevenção das doenças do coração.

Embora, obviamente, não sejam equiparáveis, podemos encarar o crescente interesse da população pela alimentação vegetariana como um fenómeno positivo, tendo em conta que a maioria das pessoas que transita para este regime geralmente incrementa de forma significativa o seu consumo de vegetais, o que se traduz não só em efeitos benéficos para a saúde, mas também num reforço da economia local de pequenos e médios agricultores.

Em última análise, o que mais importa é a promoção da sustentabilidade e de um estilo de vida saudável junto da população portuguesa, e para isso contribui compreendermos também o papel e a importância deste interesse crescente pelo vegetarianismo, na persecução de objectivos comuns.

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