Um bebé para tapar lacunas e falhanços na Politécnica

O Vento num Violino, capítulo final de uma trilogia do argentino Claudio Tolcachir dedicada aos dramas sociais, é todo um tratado sobre dependências. No Teatro da Politécnica, em Lisboa, até 13 de Outubro.

Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves
Fotogaleria
Jorge Gonçalves

Em Novembro de 2017, no âmbito da Capital da Cultura Ibero-Americana que se instalou em Lisboa, os Artistas Unidos voltaram de novo o seu olhar para a “incandescente, caótica, febril, dilacerante” (como então lhe chamaram) produção contemporânea do teatro argentino. E publicaram, nesse contexto, três volumes da sua colecção Livrinhos de Teatro com obras de Matías del Federico, Daniel Veronese e Claudio Tolcachir. De Tolcachir (n. 1975), em concreto, ficavam disponíveis em português os dois primeiros textos – A Omissão da Família Coleman (2005) e Terceiro Corpo (2008) – respeitantes a uma trilogia de dramas sociais que observa ao microscópio a célula da família.

O interesse que os textos de Tolcachir despertaram nos actores da companhia levou-os a descobrir também o capítulo final da trilogia, O Vento num Violino (2011), que haveria de tornar-se a peça escolhida para o arranque de temporada no Teatro da Politécnica, em Lisboa. Podiam ter mergulhado em Tolcachir cumprindo a ordem natural da trilogia, mas foram sobretudo razões práticas a ditar outro plano. “A Família Coleman tem uma grande dificuldade para nós porque é um elenco ainda maior”, justifica ao PÚBLICO Andreia Bento, actriz dos Artistas Unidos, que em palco responde por Dora e é tanto empregada de Mecha quanto mãe de Celeste. “Na Politécnica, por questões orçamentais e de gestão de equipas – porque às vezes estamos noutras salas, a fazer outros trabalhos –, acabam por ser peças mais pequenas.”

As razões orçamentais não eram de somenos importância quando, no momento em que O Vento num Violino foi identificada como peça a apresentar na rentrée – está em cena até 13 de Outubro –, era ainda grande a incerteza quanto ao anúncio dos apoios da DGArtes (não sabiam ainda nem quanto nem quando). Depois, as sobreposições dos ensaios com Do Alto da Ponte, texto de Arthur Miller encenado por Jorge Silva Melo (fundador dos Artistas Unidos) que estreou em Viseu e se encontra em digressão nacional, levaram a que O Vento num Violino avançasse como encenação colectiva.

Nada de novo, de resto, na história da companhia. Antes tinha já havido o seminário Sem Deus nem Chefe, em que cabia aos actores assumir a direcção, e também as duas abordagens a textos de Juan Mayorga – Hamelin e O Rapaz da Última Fila – tinham obedecido ao mesmo modelo de trabalho colectivo. Silva Melo acabou, afinal, por poder acompanhar alguns dos ensaios – “veio dar-nos a sua opinião e limou algumas arestas”, concretiza a actriz –, mas coube ao elenco composto ainda por Isabel Muñoz Cardoso, Margarida Correia, Pedro Baptista, Pedro Carraca e Sara Inês Gigante assumir o espectáculo e fixar a dinâmica das cenas.

Um cardápio de dependências

O Vento num Violino joga-se numa intrincada teia de dependências entre as várias personagens. Lena e Celeste são duas namoradas adolescentes que precisam de um dador de esperma para cumprirem o sonho de constituir a sua família; Dora, mãe de Celeste, trabalha na casa da senhora Mecha, cujo filho, Darío, se torna o “candidato” a dador; Darío é rapaz pouco dado ao trabalho, fiando-se sempre na mão protectora de Mecha, tão rotinado no seu papel de paciente do psicólogo Santiago que se propõe dar-lhe uma ajuda nos casos difíceis. Todo este novelo de dependências começa a desenrolar-se logo na primeira frase da peça, acredita Andreia Bento, quando Celeste se aproxima do proscénio e diz: “Tudo o que vejo está nos teus olhos. Olha… Olha…” “A peça é um cardápio de dependências – acho que temos todas”, acrescenta Isabel Muñoz Cardoso (Mecha). Das drogas às afectivas, biológicas ou financeiras, não há muito por onde lhes escapar.

Em comum a todas estas personagens, a partilha de uma necessidade desesperada de salvação concentrada na chegada de um bebé – a quem é pedido que revele um sentido para a vida. “O bebé, coitado, é um pouco um avatar”, diz Pedro Baptista. “Todos projectam nele as suas escapatórias e as suas chances de felicidade.” “Erra-se muito por amor”, resume por sua vez Muñoz Cardoso, e a verdade é que no texto de Tolcachir os erros, as falhas e as desculpas sucedem-se, sem que levem a qualquer lugar consequente. Em cada momento, sem carregar no drama, vemos todos estes seres à beira de se despenhar.

Pedro Carraca, que descreve as passadas festas de Natal na sua família como “completamente loucas e alcoólicas, onde se partia tudo e se andava à tareia” – entretanto tornaram-se “um encontro de velhinhos”, compara –, diz que a entrada de uma criança em cena recupera esse sentido da festa e torna toda a família um enorme vampiro que se alimenta da energia positiva própria de cada criança. Em O Vento num Violino, a sensação é semelhante: todos se servem do bebé para tapar as lacunas e os falhanços das suas vidas. Nada resolvendo, tudo mascarando.

Sugerir correcção
Comentar