João Soares da Silva: primus inter pares

Fora do mundo do Direito, da advocacia e dos negócios, este nome soa estranho à maioria, mas é importante deixar escrito que, dentro, constituía uma das suas principais referências vivas.

Recebemos, recentemente, a triste notícia da partida de João Soares da Silva. Fora do mundo do Direito, da advocacia e dos negócios, este nome soa estranho à maioria, mas é importante deixar escrito que, dentro, constituía uma das suas principais referências vivas.

Esta circunstância talvez fosse, até, um motivo de orgulho do próprio, que, por opção, raras vezes surgia na comunicação social, apesar de tantas vezes ser parte ativa do que nesta se noticiava, enquanto advogado nas principais operações a decorrer em Portugal e também no estrangeiro.

Na verdade, João Soares da Silva era um (grande) advogado, daqueles em quem os clientes confiam, pela inteligência, pela solidez do conhecimento jurídico, pela disponibilidade permanente, pela confiança inquestionável ou pelo trato irrepreensível. Podia ter optado, certamente com o mesmo sucesso, pela política – esteve, aliás, nos primórdios do PPD – ou pela Academia – foi assistente da Faculdade de Direito de Lisboa e deixou-nos escritos e reflexões muito relevantes em matérias várias do Direito Civil, próprios de um jurista brilhante.

No entanto, optou por abraçar, de corpo inteiro, a advocacia, com o inestimável apoio da sua companheira de sempre, Maria Inês Soares da Silva, e seguindo as pisadas e os ensinamentos do seu mestre, colega e sócio Miguel Galvão Teles (1939-2015), que lhe transmitiu, com inquestionável sucesso, o que deve ser um advogado: alguém que defende os interesses alheios, com sacrifício da vida pessoal; que se dedica sem distrações ou desfalecimentos e não permite “afrouxamento de zelo e empenho”, alguém que sabe que “nada dispensa o esforço exaustivo, nada autoriza o contentamento ou complacência com um trabalho apenas bem feito, nada perdoa um apressado dar o trabalho como concluído, que há sempre mais um ângulo a analisar, mais um autor a consultar, mais um argumento a aprofundar, mais uma revisão de texto a perseguir, mais uma posição de estratégia a ponderar”; alguém que deve estar consciente que os advogados “não vendem horas, entregam parte de si próprios”, enfim, alguém que tem sempre presente “que esta exigência permanente de perfeição e excelência tem de ser sempre norteada pelos valores da integridade, da independência, da insubordinação a quaisquer prisões de espírito ou de interesses, da lealdade para com a justiça e os tribunais, do respeito pelos colegas e contrapartes, da recusa de expedientes ou jogos de influência”. (cit. João Soares da Silva, in Jornal de Negócios, 28.01.2015).

Para aqueles que com ele se cruzaram, não será difícil concluir que o advogado João Soares da Silva corporizou, na sua prática profissional, todas estas admiráveis características (motivo de muito orgulho do seu mestre!), que levavam ao reconhecimento por cá e fora de portas: recordo a história de um colega inglês, sócio de sociedade de advogados do top 10 mundial, dizer a um outro colega nosso português que, com pena, não conhecia Lisboa, mas conhecia bem um grande advogado de lá – João Soares da Silva... Não é, portanto, excessivo, afirmar que a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva – fundada, entre outros, por João Morais Leitão, José Manuel Galvão Teles, Miguel Galvão Teles e João Soares da Silva, sociedade de advogados portuguesa de renome e que, segundo a imprensa, foi aquela que melhores resultados apresentou em 2017 –? é hoje, em grande medida, o produto da visão de João Soares da Silva, verdadeira bússola em muitos momentos da instituição.

O Dr. João Soares da Silva merecia e conseguia ser também um bon vivant, como recordaram os seus amigos próximos no dia da despedida: cultor da amizade, apreciador de arte, de automóveis, de livros (tantos que generosamente emprestava!), de bom vinho e boa comida, acompanhado de um charuto e dos seus amigos, em Lisboa, em Braga, na Galiza, em Nova Iorque ou em qualquer outra parte do mundo, que gostava de explorar.

Ao passar junto do seu escritório, na Rua Castilho, muitas vezes quando a noite já vai longa, não verei mais a luz do seu gabinete acesa, no último andar (o Olimpo, como lhe chamavam). Mas não tenho dúvidas de que muitas outras por aí acesas, dos seus vários discípulos, na sociedade de advogados que, com toda a justiça, leva o seu nome, e noutras sociedades e instituições, são o maior legado que deixa à advocacia portuguesa e ao mundo do Direito.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar