O estranho silêncio em torno do Infarmed

A história do Infarmed é uma nódoa da governação e é por isso que se estranha tanto o silêncio ensurdecedor da direita na oposição como o da esquerda instalada na asa do poder.

A relutância com que o ministro da Saúde anunciou o destino do Infarmed à Comissão Parlamentar de Saúde é todo um programa sobre o embuste, uma tese sobre as dificuldades do Governo em assumir os custos dos seus erros e uma lição sobre a ordem natural de um país viciado no centralismo. Como nos incêndios ou como em Tancos, o desvario de Adalberto Campos Fernandes e de António Costa na história do Infarmed jamais será reconhecido, explicado e desculpado. Porque tem por base a decisão irreflectida e absurda de mudar um grande organismo de um lado para o outro com um simples estalar de dedos. Porque revela a hesitação do Governo face a tudo o que exige determinação e risco. E porque em causa está uma afronta a um modelo de organização do Estado e do poder à qual nenhum Governo consegue sobreviver.

A história do Infarmed é uma nódoa da governação e é por isso que se estranha tanto o silêncio ensurdecedor da direita na oposição como o da esquerda instalada na asa do poder. O CDS, sempre pronto a proclamar o caos, recorreu a falas mansas. O PSD, que tanto reclama altos princípios à governação, partiu para parte incerta. O PCP e o Bloco também. Todos deixaram as suas estruturas do Porto a protestar, como se em causa estivesse uma irrelevante birra bairrista e não uma falha da palavra do Governo. Sabemos porque tudo se passa assim: o risco de perder votos é maior se a promessa de António Costa se cumprisse do que o contrário. A palavra dada, a coerência e o comprometimento perderam-se pelo caminho.

A ideia de mudar a sede do Infarmed não partiu do Porto, não resultou de um estudo prévio, nem de um movimento cívico, nem de uma qualquer vontade colectiva. Foi um disparate que nasceu num estalar de dedos porque o Governo precisava de aliviar a derrota da candidatura do Porto a sede da Agência Europeia do Medicamento.

Costa repetiu ainda assim cinco vezes: “A decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto.” E para que não sobrassem dúvidas nomeou uma comissão para estudar o assunto. Se a história chega ao fim nesta infeliz condição sem que no sistema partidário haja quem a ouse questionar, é porque, uma vez mais, a velha regra deste país assente num centralismo de cariz medieval é irrevogável. Nem a “geringonça” ousa desafiá-la.

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