Os pés petrolíferos

Nisso continuamos iguais ao tempo da nafta. Quando não há saco de lixo perto procuramos a mais próxima lixeira informal. Não havendo, inaugura-se uma. E deixa de ter qualquer graça.

Há um prazer em falar de horrores do passado de que todos nos lembramos. Sobretudo quando nos esquecemos deles durante anos. Depois, quando surge a memória, rimo-nos desse horror como se tivesse sido uma piada.

Estávamos com a Francisca e o Mário numa esplanada da praia e de repente alguém se lembra da nafta. Antigamente os navios descarregavam-na sem medo de multas e as praias à volta de Lisboa estavam cheias dela.

Como disse a Francisca, ficar com os pés pretos fazia parte da experiência de ir à praia. Nos dias de sorte só se agarrava aos dedos, às plantas e aos tornozelos.

Hoje as pessoas tiram a areia dos pés com água do chuveiro da praia. Dantes era preciso reservar meia-hora para tirar a nafta. Usavam-se paus para tirar a mais grossa e depois conchas para raspar a pele a pente fino.

As manchas mais resistentes só se tiravam em casa com acetona. O mais engraçado é que fazíamos isto tudo de bom humor - éramos estúpidos. Achávamos que farruscar os pés era o preço de ir à praia. Valia sempre a pena. Não sabíamos o mal que aquele veneno fazia.

A lembrança da nossa ignorância e do nosso estoicismo fez-nos rir. Mas a Francisca e o Mário tinham feito uma caminhada do Magoito até à Praia das Maçãs e, cada vez que passavam por uma pequena estrutura, viam montes de lixo, papel higiénico e excrementos.

Nisso continuamos iguais ao tempo da nafta. Quando não há saco de lixo perto procuramos a mais próxima lixeira informal. Não havendo, inaugura-se uma. E deixa de ter qualquer graça. 

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