No mundo de bons e maus de Trump, o Irão é o pior dos piores

O discurso do Presidente norte-americano na Assembleia Geral da ONU ficou marcado pelo endurecimento das críticas ao regime iraniano e pela exigência de que as sanções sejam respeitadas pelos restantes países.

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Trump foi o terceiro líder a discursar porque chegou atrasado EPA/JUSTIN LANE

O Irão foi o principal alvo do Presidente dos EUA, Donald Trump, durante o seu discurso na Assembleia Geral da ONU, acusando o país de "semear caos, morte e destruição". Por outro lado, o líder norte-americano elogiou os progressos feitos com a Coreia do Norte, um ano depois de, na mesma sala, ter ameaçado destruir o país.

Tal como se antecipava, o discurso de Trump concentrou-se em ataques ao regime iraniano, como forma de justificar a retirada norte-americana do acordo nuclear assinado em 2015. "Os líderes do Irão semeiam caos, morte e destruição" pelo Médio Oriente e "não respeitam os seus vizinhos, as suas fronteiras ou os direitos soberanos das nações", afirmou o Presidente norte-americano, repetindo acusações feitas várias vezes em ocasiões anteriores.

Trump voltou a criticar o "horrível" acordo assinado em 2015 com Teerão pelos EUA e outras cinco potências (Alemanha, França, Reino Unido, China e Rússia), com o objectivo de congelar o desenvolvimento do programa nuclear iraniano a troco de um alívio das sanções económicas. A recusa em manter-se nesse acordo – assinado pelo seu antecessor, Barack Obama, após anos de negociações – é uma das posições mais consistentes de Trump, que acabou por concretizá-la em Maio, apesar das tentativas dos restantes signatários para o dissuadir.

Com a saída do acordo, os EUA voltaram a aplicar sanções económicas ao regime e Trump exige que os aliados de Washington sigam o mesmo caminho. "Estamos a trabalhar com os países que importam petróleo iraniano para cortarem as suas compras substancialmente", declarou o Presidente norte-americano.

A eleição de Trump atirou as relações entre Washington e Teerão – rivais desde a revolução de 1979 – para um dos pontos mais baixos das últimas décadas. Ainda antes do início da sessão da Assembleia Geral da ONU, Trump e o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, entraram em conflito sobre um potencial encontro entre ambos. Trump afirmou que "apesar de haver pedidos" não se iria encontrar com o homólogo iraniano, suscitando uma resposta imediata de Teerão negando que Rouhani, que também está em Nova Iorque para o encontro anual da ONU, tivesse feito algum pedido para um encontro.

Já não há mísseis

Mas se Trump repetiu muita da retórica incendiária contra o Irão que já tinha usado no primeiro discurso perante a Assembleia Geral da ONU, há um ano, o seu outro grande alvo da altura é hoje encarado a uma luz radicalmente diferente. O Presidente dos EUA elogiou os progressos feitos em relação à Coreia do Norte, país que tinha prometido "destruir totalmente" caso não concordasse em iniciar um processo de desnuclearização.

Um ano depois, "os mísseis já não voam por todo o lado", descreveu Trump, que em Junho se tornou no primeiro Presidente em funções a encontrar-se com um líder norte-coreano. "Com o apoio de muitos países que aqui estão hoje, levámos a Coreia do Norte a substituir o espectro do conflito por um impulso novo e corajoso na direcção da paz", declarou.

Desde que em Janeiro as duas Coreias iniciaram um processo de reaproximação diplomática, abrindo caminho a um desanuviamento da retórica e a que o diálogo substituísse a ameaça, o regime de Pyongyang suspendeu os testes nucleares e balísticos. Porém, poucos passos concretos foram ainda dados pela Coreia do Norte no sentido de desmantelar o seu programa nuclear e as sanções económicas mantêm-se em vigor.

Patriotismo e globalismo

O resto do discurso de Trump foi pautado pela sua já tradicional divisão do mundo em países dignos de elogios e de críticas, de acordo com o interesse nacional norte-americano. No primeiro grupo nomeou directamente a Arábia Saudita pelas suas "reformas corajosas", a Índia por tirar milhões de pessoas da pobreza, Israel por ser uma "democracia vibrante" e a Polónia, cujo "povo está a lutar pela sua independência".

Do lado oposto está a China, que Trump acusa de "abusar" dos EUA por causa do excessivo défice comercial, de fazer dumping e de roubo de propriedade intelectual. As duas maiores potências económicas mundiais estão em clima de guerra comercial, com a aplicação de taxas sucessivas às importações de certos produtos. A Alemanha também voltou a estar na mira de Trump, que alertou para a "dependência total de energia russa" – a única ocasião em todo o discurso em que o Presidente norte-americano se referiu ao país no centro de uma investigação federal ao alegado conluio com a sua campanha. Trump reservou ainda duras palavras para a Venezuela como exemplo de "uma tragédia humana" causada por um "regime socialista".

Na fase final, Trump fez uma defesa dos valores do patriotismo por oposição ao "globalismo" que diz rejeitar. "Devemos proteger a nossa soberania e a nossa prezada independência acima de tudo. Quando o fizermos, iremos encontrar novas avenidas de cooperação diante de nós", afirmou o Presidente norte-americano. "Rejeitamos a ideologia do globalismo e adoptamos a doutrina do patriotismo", declarou Trump, fazendo eco da mensagem nacionalista que esteve na base da sua eleição.

Antes de Trump, que chegou atrasado e foi apenas o terceiro chefe de Estado a discursar, o secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou a atenção para o "défice de confiança" a que o mundo assiste. Um dos pontos mais sublinhados por Guterres, e ausente do discurso de Trump, foi a preocupação com o clima: "As alterações climáticas avançam de forma mais rápida do que nós."

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