Carlos Costa deixa aviso para se evitar uma “euforia” no imobiliário

Governador do Banco de Portugal aponta a literacia financeira como uma condição necessária, mas não a única, para a estabilidade financeira.

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O sistema bancário tem sempre de ser acompanhado "como um todo", diz Carlos Costa Enric Vives-Rubio

Apesar de não falar no risco de uma bolha no sector imobiliário nem se referir explicitamente a Portugal, o governador do Banco de Portugal (BdP) avisa que os clientes nem sempre têm em conta o “risco sistémico” ao tomarem as suas decisões e por isso é necessário estar atento aos “desenvolvimentos sistémicos negativos” que resultam dessas decisões, em particular quando se verifica uma “euforia” no sector imobiliário.

A falar nesta terça-feira numa conferência sobre supervisão comportamental bancária, em Lisboa, Carlos Costa não descreveu o presente como uma situação de “euforia”. Optou, porém, por usar a palavra ao reflectir, em abstracto, sobre a necessidade de as economias se protegerem com “medidas que ataquem os desenvolvimentos sistémicos negativos resultantes da interacção das decisões individuais”.

O governador afirma que a crise financeira tornou claro que “a literacia e a aptidão financeiras são uma condição necessária da estabilidade financeira”, já que as “decisões financeiras robustas ou sustentáveis por parte de cada um dos indivíduos que integram um dado espaço económico-financeiro – e, em particular, por parte dos clientes bancários – são determinantes para a estabilidade financeira”.

Mas isso, avisa, não basta para evitar que os riscos apareçam. “Não são uma condição suficiente, na medida em que os agentes económicos não têm em conta e, portanto, não contemplam, as externalidades das suas decisões ou acções, em particular o risco sistémico”. Uma constatação que Carlos Costa diz ser “particularmente relevante quando se desenvolvem situações de euforia no mercado, nomeadamente no mercado residencial e hipotecário”. E quanto menor for a literacia financeira – e a própria experiência financeira – maior são a “intensidade e a propagação de expectativas distorcidas de valorização de activos”.

Embora o supervisor bancário já tenha apelado aos bancos para adoptarem “critérios prudentes” na concessão de novos empréstimos, a instituição liderada por Carlos Costa não tem assumido uma preocupação excessiva com o ritmo acelerado de concessão de empréstimos aos particulares, num cenário de taxas de juro negativas (mas com tendência para subir) e de subida acelerada dos preços das casas.

O banco central decidiu em Fevereiro que era preciso colocar um “travão” na concessão de crédito às famílias e emitiu um conjunto de recomendações que entretanto entraram em vigor, em Julho, nomeadamente quanto à taxa de esforço dos empréstimos (a relação dos encargos financeiros assumidos relativamente aos rendimentos da pessoa a quem é feito o empréstimo). Se os bancos ultrapassem o limite de 50%, têm de justificar a razão pela qual concederam esse financiamento.

Para salvaguardar a estabilidade financeira, avisa o governador, “não basta nem o acompanhamento das decisões individuais nem a regulação da conduta das instituições bancárias para com os respectivos clientes”. Também é preciso acompanhar o “sistema como um todo” – para mitigar os efeitos das acções de cada um, além de garantir que cada banco é supervisionado, nomeadamente vigiando “a sua capacidade para absorver os riscos resultantes da aplicação dos recursos que lhe foram confiados”.

Numa outra conferência em Lisboa, o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, pediu cautela aos bancos na concessão de novo crédito, especialmente nos empréstimos ao consumo, para não pôr em causa o trabalho feito em tornar as instituições mais sólidas. Ao Banco de Portugal (BdP), Mourinho Félix pediu "vigilância" e avaliação da "eficácia” das medidas já adoptadas

“Sem uma avaliação de risco adequada, o aumento do crédito a particulares é mais uma visão de curto prazo do que uma estratégia de futuro. Pode mesmo representar o desperdício de uma oportunidade para reorientar o negócio bancário, pondo em causa o que foi conseguido pelos bancos e pelos seus accionistas", afirmou Mourinho Félix numa conferência A Banca do Futuro, organizada pelo Negócios.

No discurso desta terça-feira no Banco de Portugal, Carlos Costa insistiu na ideia de que os “clientes mais informados e com maior capacidade para compreender as características dos produtos e dos serviços bancários são, por norma, clientes mais atentos e mais exigentes”. com Rosa Soares

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