Paradisaea. Este Lux não é para todos

Não devemos confundir a discoteca Lux com a exposição Paradisaea, mas a imagem que fica não é simpática. Porque é pouco inclusiva e, por isso, arrogante.

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Primeiro dia de Outono, 35ºC a meio da tarde e uma bebé já sem paciência para estar em casa. Ninguém merece, muito menos os pais. Por isso apontámos caminho para o Hub Criativo do Beato, onde está instalada a exposição Paradisaea, que percorre 20 anos da história do Lux, seguramente a discoteca mais conhecida de Lisboa e a que, ao longo dos anos, se soube manter no circuito dos melhores espaços nocturnos da Europa. Não é exagero. A miúda ia gostar.

A curiosidade em acordar memórias com duas décadas não tem nada de extravagante, nem tão pouco aparece a reboque de modas. Conheço e frequento o Lux desde o primeiro dia. Agora menos, mas ainda hoje, quando penso em sair à noite, passo sempre pelo agendamento da casa, não é raro encontrar ali boas surpresas. O espaço é especial e tornou-se icónico, e sempre foi a música o que me levou até lá.

Não contava chegar à Rua da Manutenção (por onde se entra na exposição) e ouvir música — embora ela por lá estivesse, afunilada por auscultadores —, muito menos dançar. Na verdade, apenas ia à procura de imagens que me puxassem o sorriso das memórias boas. Não esperava nada, mas não estava nada à espera de me ser difícil ali entrar.

Isto porque, logo na linha de entrada do portão que dá para a rua, há um mar de areia. Exactamente: areia branca, talvez com um palmo de altura. Uma extensão enorme de areia que, deu para perceber minutos depois, se estende por todo a espaço da exposição.

Se tivesse ido sozinho isto não passaria de uma excentricidade com alguma piada, mas levava comigo uma bebé de meses. Chegados ao portão, toca de meter a miúda ao colo e arrastar a cadeira, com dificuldade, pela areia, até à entrada da exposição.

O transtorno até podia ser tolerável, mas não foi. Apesar de eu não ter qualquer problema de locomoção, tinha ao colo uma criança com 10 quilos e nenhuma vontade de me descalçar — os visitantes são convidados a deixar os sapatos à porta.

Posto isto, por ali andei com pouca paciência para subir montes de areia. Não foi pêra doce e por isso durou pouco, até porque o calor dentro dos velhos armazéns aproximou-se do insuportável. Saí pouco depois de chegar, maldisposto pela frustração e pelo incómodo. Aquilo é um mau retrato do paraíso.

Consigo perceber a intenção de forrar o recinto com areia para pés descalços. É um convite aos sentidos, algo que sempre esteve na génese do Lux. O que tenho mais dificuldade em entender é que a exposição esteja vedada a pessoas com mobilidade reduzida.

Se um carrinho de bebé ali entra com dificuldade, uma pessoa em cadeira de rodas não vai conseguir fazer a visita com o mínimo de conforto. A maioria nem vai conseguir chegar à entrada da exposição propriamente dita (o “mar de areia” começa umas dezenas de metros no exterior).

A partir daqui, podia seguir a tentação da extrapolação fácil, mas não tenho razões para o fazer. Em 20 anos e largas dezenas de visitas ao Lux, nunca me foi dificultada (e muito menos barrada) a entrada. E, assisti várias vezes, os funcionários sempre cuidaram de facilitar a entrada e passagem de pessoas com mobilidade reduzida.

Foi talvez esse o contra-senso que me estragou esta visita domingueira. Senti que foi difícil “entrar no Lux”, pela primeira vez. Ainda por cima, senti a injustiça da minha “mobilidade condicionada” (pela cadeira de bebé mal preparada para andar em areia fina).

Não devemos confundir a discoteca com a exposição, mas a imagem que fica não é simpática. Porque é pouco inclusiva e, por isso, arrogante. Se o Lux é “assim”? Para mim nunca foi e espero que nunca venha a ser. Mas quem achou que uma exposição forrada de areia era uma ideia com graça, enganou-se. Foi uma “má noite” no Lux, esta tarde de Domingo.

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