Canis vão continuar a abater animais que podiam sobreviver

Portaria de 2017 contraria lei aprovada no Parlamento, permitindo eutanásia de portadores de doenças infecto-contagiosas. Veterinários municipais vão continuar a mandar matar cães e gatos com esgana e sarna, por causa do risco de contaminação.

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A partir deste domingo é proibido os canis abaterem animais. Mas a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios diz que, mesmo com a lei em vigor, é impossível nalguns casos evitar a eutanásia de portadores de doenças como esgana e sarna, sob pena de morrerem muitos mais bichos, por contágio.

Foi em 2016 que o Parlamento decidiu, por unanimidade, proibir o abate nos chamados centros de recolha camarários, tendo dado aos municípios um prazo de dois anos que terminou neste domingo para se adaptarem às novas regras. Quer construindo ou alargando canis quer apostando na esterilização dos animais sem dono e em campanhas de adopção. Porém, muito pouco foi feito neste período de tempo. Ainda assim, o Governo não cedeu às pressões dos últimos meses feitas pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e pelos veterinários para estender a moratória.

“Espero estar enganada, mas acho que vai tudo correr muito mal”, antevê a presidente da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios, Vera Ramalho, antecipando a morte de animais na rua por esgotamento da capacidade dos centros de recolha, nomeadamente por atropelamento. “Os animais que vivem em casa e são abandonados pelos donos não têm estratégias de sobrevivência na rua. Vão sofrer”, observa, explicando que existe também o risco de haver cães a atacar pessoas.

Seja como for, Vera Ramalho assegura que vai continuar a ser necessário continuar a abater alguns dos cães que se encontrem nos canis e contraiam doenças infecto-contagiosas, como a esgana ou a sarna, sob pena de estas patologias alastrarem aos animais saudáveis. Algo que a lei que agora entra em vigor parece contrariar, ao estabelecer como condições para a eutanásia o animal ser perigoso ou ter uma “doença manifestamente incurável”. Mas apenas se esta solução for “a via única e indispensável para eliminar a dor e o sofrimento irrecuperável”.

“É uma lei política. Não é uma lei técnica”, critica a representante dos veterinários municipais. “Não podemos pôr em risco dezenas de animais por causa de um só”. Afinal, argumenta, a medicina dos abrigos, “onde tem de se considerar o bem comum”, é muito diferente da medicina comum. Se não houver possibilidade de isolar o bicho infectado ou de o internar noutro lado, o melhor é eutanasiá-lo, observa.

Uma portaria publicada no ano passado alargou, entretanto, as possibilidades de abate aos portadores de doenças infecto-contagiosas. O facto de alterar uma lei, que está num patamar superior na hierarquia dos diplomas legais relativamente às portarias, pode vir a revelar-se problemático.

Do lado das organizações de defesa dos bichos há quem esteja ciente de que os abates de animais saudáveis ou recuperáveis não vão parar só porque a proibição entrou em vigor. É o caso de Margarida Garrido da associação Campanha de Esterilização de Animais Abandonados. “As câmaras não têm desculpa para o facto de não se terem preparado”, atira. Ribau Esteves, da cúpula dirigente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, diz que as verbas disponibilizadas pelo Governo para as obras nos canis foram escassas: “Foi lançado um programa de dois milhões para o país todo. Só os três canis que vão ser construídos na região de Aveiro custarão 2,5 milhões”, exemplifica.

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Apesar de considerar a lei “completamente desajustada da realidade, feita para um país que não é Portugal”, e “que na prática não se vai conseguir aplicar”, Ribau Esteves garante que os autarcas não a irão infringir. Se o fizerem, sujeitam-se a uma multa por crime de maus tratos ou, no limite, a uma pena que pode ir até aos dois anos de cadeia, explica o procurador Paulo Sepúlveda, que se especializou em direito animal. A pena será suspensa se os prevaricadores não tiverem cadastro.

O magistrado acha a lei equilibrada, mas incompleta: “Devia prever apoios para as famílias carenciadas detentoras de animais de companhia”. Nos Açores o abate de animais saudáveis continuará a ser permitido: os municípios têm até 2022 para passarem a cumprir a nova legislação. 

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