Franco Nogueira – política e diplomacia

Pouca gente não lhe credita, ainda hoje, um singular talento como político condutor da nossa diplomacia.

Passam 100 anos sobre o nascimento de Alberto Franco Nogueira, o diplomata que foi o último ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar. Quando, em 1975, entrei para as Necessidades, Franco Nogueira tinha deixado de ser ministro há seis anos. Durante esse tempo, foi tido, com fortes razões, como figura relevante dentre quantas haviam resistido, pela direita, à alegada abertura política de Marcelo Caetano, que o suplantara na substituição de Salazar e com quem viria a incompatibilizar-se politicamente, abandonando funções meses depois.

Numa casa em que, à época da minha entrada, a preocupação maior era afirmar internacionalmente um regime ainda convulso, gerindo os impactos diplomáticos da descolonização, estava já distante a imagem daquele que conduzira, com inegável brilhantismo formal, uma política externa que ele mesmo viria a ter de aceitar como um fracasso histórico, embora sem nunca renegar, com assinalável coerência, os princípios em que a mesma se apoiava.

Ao ser visto como alguém ainda mais radical do que Caetano, que acabara de ser derrubado, Nogueira tornara-se já, naquela época, figura de um passado ainda mais longínquo do que realmente o era no tempo. A sua associação à extrema-direita anti-Caetano, após 1969, que o levara a colaborar na revista Política e a transformar-se numa espécie de ideólogo dos “ultras”, iria manter abafada, por muito tempo, a memória que dele ficara nos claustros do Palácio das Necessidades: a imagem de um ministro combativo, dirigindo com firmeza uma política externa que, nem pelo facto de já não ter o menor sentido no seu tempo, deixava de reclamar empenhamento, competência e qualidade técnica para a sua execução.

Quando assumiu funções como ministro, em 1961, Nogueira soube rodear-se, para a “missão impossível” que era defender o patético colonialismo tardio de Salazar, de alguns daqueles que eram, de facto, os melhores quadros da casa. Parte importante desses diplomatas viria, aliás, a transitar, com raros sobressaltos, para o novo tempo democrático. É que, salvo alguns profissionais que tinham aliado o seu trabalho diplomático a uma militância estado-novista que os levara a excessos de zelo, a grande maioria dos profissionais do MNE era gente, ainda que em geral de tendência conservadora, que tinha um espírito aberto, talvez produto de um cosmopolitismo induzido pela carreira. Encerrado que fora o tempo da diplomacia de defesa da política colonial, que profissionalmente lhes coubera executar, e de que muitos se orgulhavam tecnicamente, esses quadros que haviam servido com Franco Nogueira viriam a dedicar-se, com idêntico empenho, às novas tarefas que o poder, agora democraticamente legitimado, lhes destinou.

Franco Nogueira, um homem intelectualmente muito capaz, também fora um desses espíritos abertos, que o tempo se encarregou de ir fechando, passando de um mundo intelectual e literário liberal da juventude a um conservadorismo radical, que o levaria a transformar em hagiografia o que ele pretendia que fosse uma biografia de Salazar, com o grau de rigor do que nela escreveu a ressentir-se desse viés. Não obstante, outros testemunhos que deixou, com a clara escrita que era a sua, detalhando a doutrina justificativa da política externa e colonial da ditadura que lhe coubera conduzir, levam a que mereça hoje uma justa atenção, como conceptualizador e brilhante ator diplomático – ele que foi um embaixador que, curiosamente, para o ser nunca precisou de chefiar nenhuma embaixada, mas a quem pouca gente não credita, ainda hoje, um singular talento como político condutor da nossa diplomacia.

Há dias, alguém me perguntava o que ainda sobrevive dos tempos de Franco Nogueira na nossa cultura diplomática contemporânea. Respondi que praticamente nada, porque essa herança seria, afinal, a de Salazar, de quem Franco Nogueira foi um criativo seguidor e intérprete. Nem mesmo já sobram os resquícios de um tropismo soberanista anti-europeu, da desconfiança no multilateralismo, do anti-americanismo ou do preconceito anti-espanhol, reflexos que, por alguns anos ainda, emergiram aqui ou ali, em democracia, como parte da herança política subliminar da diplomacia da ditadura.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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