O fotógrafo desconhecido que registou a vitória de Franco

Francisco Martínez Gascón, ‘Kautela’, fotografou a Guerra Civil Espanhola do lado das tropas franquistas para um diário de Aragão. Uma centena dessas imagens, muitas delas inéditas, foram agora publicadas em livro.

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Celebração da victória franquista no Paseo de Gràcia, em Barcelona, a 27 de Janeiro de 1939 dr
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Francisco Martínez Gascón, 'Kautela'
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Francisco Martínez Gascón, 'Kautela' DR

Numa altura em que o franquismo e a figura de Francisco Franco estão de regresso à cena política em Espanha, com a recente decisão da exumação dos restos mortais do ditador do Vale dos Caídos, ganha maior relevância a edição, este Verão, de um álbum com imagens inéditas da Guerra Civil (1936-39), captadas do lado dos nacionalistas e vencedores. A edição em causa, Kautela. Un fotógrafo en la España franquista (1928-1944), veio revelar quase uma centena de fotografias, grande parte delas inéditas, tiradas por um fotógrafo ignorado de um jornal diário da província, Francisco Martínez Gascón (1904-1983), que trabalhava para o Heraldo de Aragón.

Assinada pelo historiador de cinema e fotografia Victor Lahuerta e por Cristina Martínez de Vega, neta do fotógrafo, a publicação reúne 97 imagens que foram repescadas dos arquivos familiares mas também dos daquele diário de Saragoça e de hemerotecas locais. Os dois autores contextualizam não só a descoberta dessas imagens – que tiveram de ser restauradas e identificadas – como as circunstâncias em que elas foram registadas pelo fotógrafo que posteriormente decidiria usar o pseudónimo ‘Kautela’.

Francisco Martínez Gascón, nascido em Saragoça, começou a trabalhar no Heraldo de Aragón em 1927, quando tinha vinte e poucos anos. Em 1930, regista para o jornal a sublevação militar republicana de Jaca, na província de Huesca, início de um processo político que iria desembocar, no ano seguinte, na abdicação do rei Afonso XIII, após a derrota eleitoral do regime monárquico, e na fundação da II República Espanhola.

Sempre ao serviço do Heraldo de Aragón, o fotógrafo vai depois acompanhar o desenrolar da Guerra Civil, substituindo no terreno o seu chefe no jornal, Miguel Marín Chivite, que entretanto tinha sido aprisionado pelos republicanos.

“As suas imagens mostram a familiaridade com que se movimenta entre os comandos [nacionalistas], como no caso da série sobre Franco, em que este é visto a proteger a sua cara do sol, em Fraga [Huesca], no dia 31 de Março de 1938”, descreve o El País no artigo em que dá a conhecer o novo livro. O repórter fora, de resto, autorizado a fotografar o momento da fundação do Conselho Nacional franquista, no Mosteiro de Huelgas, a 2 de Dezembro de 1937.

“Ele, inclusive, conseguiu um salvo-conduto que o autorizava a fotografar lugares bombardeados e as vítimas, os mortos”, escreve a sua neta.

É assim que na selecção de fotografias agora reveladas se podem recordar momentos marcantes da vitória das tropas de Franco, desde a missa de campanha na Praça da Catalunha, em Barcelona, a 27 de Janeiro de 1939, antes da conquista da cidade, até ao desfile da vitória, em Madrid, em Maio desse ano.

Além do indiscutível valor histórico-documental relativamente a uma guerra que – arrisca o El País – foi a mais fotografada da História, os instantâneos de Francisco Martínez Gascón revestem-se também de inegável valor jornalístico e estético. “Ele não desperdiçava película, ia directo à notícia, sem floreados, mas as técnicas de vanguarda também não lhe são estranhas; usa enquadramentos, picados e contrapicados, que realçam o discurso propagandista do bando franquista”, escreve Victor Lahuerta.

No final da guerra, ‘Kautela’ regressa às rotinas do jornal, volta a ficar na dependência de Marín Chivite, entretanto libertado, e transforma-se naquilo que a sua neta – que fez da investigação da obra do avô a sua tese de doutoramento, Francisco Martínez Gascón. Análisis documental de su producción fotográfica. 1930-1945 – classifica como “um fotógrafo de província”: regista jogos de futebol, touradas…, ele que entretanto se tinha tornado especial amigo de Manolete, com quem fez várias reportagens.

Francisco Martínez Gascón morreu, ignorado, em 1983, mas deixou em sua casa várias malas cheias de negativos, fotografias impressas em papel e documentos do tempo da guerra…, que agora viram a luz do dia no álbum Kautela. Un fotógrafo en la España franquista (1928-1944), editado pelo Instituto Fernando, o Católico.

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