Universidade de Lisboa tem de devolver milhares em propinas de bolseiros

Inspecção dá razão aos alunos de doutoramento a quem foram cobradas irregularmente as anuidades.

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Enric Vives-Rubio

A Universidade de Lisboa (UL) vai ter de devolver milhares de euros em propinas cobradas ao longo de dois anos a estudantes de doutoramento que tinham uma bolsa de estudo atribuída pela instituição. A Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) deu razão aos protestos destes bolseiros e confirmou que o pagamento a que foram obrigados foi irregular. Em causa estão perto de uma centena de doutorandos, apoiados nos concursos de 2015 e 2016.

A UL tem aberto, desde 2015, concursos anuais de atribuição de bolsas de doutoramento, que têm um regulamento próprio. Esse documento, que está legalmente enquadrado pelo Estatuto do Bolseiro de Investigação, uma lei de 2004, prevê que, à semelhança do que acontece com os bolseiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), os doutorandos não paguem o valor da propina anual.  

Só que foi a própria UL a contrariar o seu regulamento de atribuição de bolsas quando, nas normas do concurso de 2015, estabeleceu que a “bolsa não inclui subsídio para o pagamento das propinas”, obrigando os doutorandos a pagarem aquele valor. A prática foi mantida no concurso seguinte, mas, face aos protestos dos bolseiros, abandonada a partir de 2017.

No entanto, os bolseiros apoiados nos concursos de 2015 e 2016 continuaram a ter que pagar a propina de doutoramento do seu próprio bolso. “Ficaram em clara desvantagem em relação aos colegas que tiveram bolsa nos anos seguintes”, sublinha a dirigente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) Sandra Pereira.

A ABIC e um grupo de bolseiros contestaram a situação e, face à ausência de resposta por parte da reitoria da UL, acabou por apresentar uma queixa à IGEC. O organismo público deu-lhes agora razão confirmando, num relatório a que o PÚBLICO teve acesso, a “discrepância entre as normas de execução dos concursos” e o Regulamento de Bolsas de Investigação da UL. Por isso, “caso se prove que os bolseiros suportaram o custo com a respectiva propina, é-lhes devido o reembolso do valor”, estabelece a IGEC.

De acordo com a informação divulgada pela UL no seu sítio da internet, entre os anos de 2015 e 2017 foram atribuídas 180 bolsas a doutorandos. Nos dois anos a que diz respeito a queixa da ABIC terão sido atribuídas cerca de 120 bolsas. A estimativa da associação de bolseiros é de que pouco menos de uma centena de doutorandos com bolsas da UL tenham pago as propinas neste período.

A propina anual de doutoramento na UL é de 2750 euros, mas em algumas faculdades, como a Faculdade de Letras, por exemplo, no segundo e terceiros anos do doutoramento, o preço baixa para 1500 euros. Tendo em conta estes dados, a estimativa aponta para cerca de 300 a 350 mil euros em propinas cobradas indevidamente aos bolseiros da UL durante dois anos e que agora têm que ser devolvidos aos estudantes face à decisão da IGEC.

Contactada pelo PÚBLICO, a reitoria da UL recusou confirmar este valor. A única reacção daquela instituição às várias questões colocadas foi no sentido de confirmar ter recebido o relatório da IGEC “estando a analisar o teor desse mesmo parecer por forma a tomar as decisões que daí decorram”.

Este relatório não carece de homologação por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A tutela limita-se, por isso, a assegurar o seu esforço para “garantir o cumprimento do EBI” através da actuação regular da IGEC e em resposta a queixas, como aconteceu neste caso.

Os bolseiros agora exigir a restituição do dinheiro pago pelas propinas de doutoramentos. “A partir do momento em que temos uma decisão destas, é claro que temos que o fazer”, afirma Cristina (nome fictício), doutoranda da UL desde 2016. No seu caso, a verba que tem que lhe ser devolvida ascende a 3000 euros.

Esta doutoranda admite que, quando assinou o contrato de bolsa, sabia que tinha pagar as propinas de doutoramento. Este foi, de resto, um dos argumentos usados pela universidade junto da IGEC para justificar que não reembolsasse os alunos. “Mas a partir do momento em que percebemos que o regulamento e o próprio Estatuto do Bolseiro não permitiam a situação, todo o caso muda de figura”, sublinha Cristina.

O próprio relatório da IGEC vai no mesmo sentido: “A assinatura pelos candidatos do contrato de bolsa de doutoramento não invalida que as normas (…) estejam desconformes (…) não convertendo em válida a regra em análise”

As bolsas de doutoramento da UL têm o valor de 980 euros mensais e são renováveis por três anos – ao contrário das que são atribuídas pela FCT que podem ter uma duração máxima de quatro anos. O contrato tem outras semelhanças com o que é feito com os bolseiros da fundação pública de apoio à investigação científica. Por exemplo, é exigido um regime de exclusividade pelo que, durante o período da bolsa, o doutorando não pode ter outro trabalho ou rendimento.

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