Setembro de 2018, oitavo dia. Em Los Angeles, apruma-se a passadeira vermelha. Todos os caminhos vão dar ao Microsoft Theater, que nessa noite concentra todas as estrelas de Hollywood. É a primeira cerimónia dos Emmy Awards, destinada às categorias mais técnicas. Os “Óscares da Televisão”, como são conhecidos, distinguem os melhores da indústria televisiva. E nessa noite, entre os melhores, houve um português galardoado: Filipe Carvalho ganhou um Emmy pelo seu trabalho na série Counterpart.
Para os mais atentos, Filipe Carvalho, de 37 anos, não é um nome desconhecido. Já em 2015, o P3 dava a conhecer a história do motion designer que trabalhava, a partir de Lisboa, com alguns dos maiores estúdios de Hollywood. Nessa altura, o seu historial incluía colaborações em séries tão marcantes como A Guerra dos Tronos, Cosmos: Odisseia no Espaço e em filmes como Thor: o Mundo das Trevas e O Fantástico Homem Aranha 2.
Agora, chegou outro reconhecimento, o mais desejado. “Para mim um Emmy é o derradeiro prémio porque é o mais difícil de conseguir”, sublinha em conversa com o P3. Naquele dia, rodeado pelas maiores estrelas da indústria, Filipe sentiu-se como uma autêntica criança. “Cresci a ver estas cerimónias, a sonhar com esta vida de Hollywood e de repente estou lá pela primeira vez”. Se antes da 70.ª edição dos Emmy, a nomeação já lhe soava a vitória, quando o chamaram ao palco para receber a estatueta, Filipe estremeceu. “Foi fantástico, nem queria acreditar que tínhamos ganho”, diz: “Todos temos aqueles sonhos de criança que nunca levamos muito a sério, mas de repente as coisas acabam por acontecer”.
Com uma equipa composta por mais cinco pessoas, Filipe demorou quatro meses e meio a produzir o trabalho que lhe valeu o Emmy: o genérico de abertura de Counterpart, do canal Starz. A série, protagonizada por J.K. Simmons, vencedor de um Óscar, retrata a vida de um funcionário de uma agência de espionagem da ONU que descobre que o Estado tem ocultado a existência de uma dimensão paralela criada na altura da Guerra Fria. A Filipe coube a função de ser director de arte do genérico, função que acarreta assinatura na ideia original e na criação dos conceitos, trabalhados pela restante equipa.
A construção da ideia foi facilitada pelo material disponibilizado pela produção, conta: “Tivemos a sorte de nos deixarem ter acesso praticamente total aos conteúdos da série, desde os sets de filmagem até aos adereços das personagens”. Depois, como é habitual no processo criativo, teve de estudar a bíblia — não a colecção de textos sagrados do Cristianismo, mas uma outra escritura: “Em Hollywood, na fase de construção da série, é criada a bíblia, um documento central onde está o script inicial, a descrição das personagens, as mudanças de cenários, enfim, tudo o que é preciso saber”.
Na fase de gerir informação e de criar ideias, Filipe Carvalho, autodidacta, prefere isolar-se. “Aprendi a trabalhar nesta coisa do cinema e design sozinho, por isso acabo por me isolar, é o meu método”. Desse retiro, saem geralmente duas ideias diferentes. A produtora escolhe uma e a restante equipa – editores, designers, técnicos de som, animadores 3D - trata do resto.
O “olhar cinematográfico” e registo dramático e minimalista de Filipe Carvalho contrastam com o estilo norte-americano. “Lá são tão bombardeados pelos media que existe uma grande saturação da estética tradicional, muito sensacionalista, muito colorida e com muito 3D, da qual o futebol americano é o melhor exemplo”. Filipe preserva uma “visão de europeu”, construída pelas suas referências culturais e artísticas. Em alguns casos, muitos desses modelos nada têm a ver com alguns dos projectos que já realizou — como é o caso das histórias de super-heróis e de produções de estilo Marvel. “Não são muito a minha onda”, assume. Filipe prefere criações mais “soturnas e até enfadonhas", como “thrillers políticos” e “dramas históricos”.
De Lisboa para Hollywood
Muita coisa mudou desde 2015, quando o motion designer conversou com o P3 pela primeira vez. Filipe foi pai de uma menina e, ao contrário do habitual, passou a dormir melhor. Incentivo importante para um passo que há muito queria dar: a criação da ForeignAffairs, a sua empresa com ligação directa para estúdios norte-americanos, os principais clientes. “Agora estou no outro papel: sou eu quem vai buscar os freelancers americanos e até portugueses para trabalharem comigo”, graceja.
Para já, um dos principais objectivos é a consolidação da empresa no mercado, procurando relacionar-se com alguns dos estúdios com quem trabalhou enquanto freelancer – como a HBO, a Netflix ou a FX. É com esse fim em mente — e para dormir mais descansado — que Filipe colabora com um produtor norte-americano, que angaria clientes em Nova Iorque. “É uma pessoa muito importante porque quando estou a dormir ele está acordado a ser o meu intermediário”.
A Foreign Affairs quer pôr Portugal no mapa das produções de Hollywood e promover o trabalho de portugueses. E a distância não será uma barreira para isso? “Não há qualquer entrave que a internet não resolva”, responde: “Eles não querem saber se o Filipe Carvalho está em Carnaxide ou em Los Angeles, aceitam-te como um deles, sem distinção”.
Novos projectos a caminho
Além de garantir uma "vida mais normal" e de permitir que traga trabalho para Portugal, o estúdio foi também o veículo para se reinventar uma vez mais. “Permite-me redireccionar o meu futuro: quero ser realizador e director criativo dos projectos”. É um caminho trilhado há já 24 meses e que o português espera terminar no próximo ano.
Será nessa altura que uma série realizada por Filipe será apresentada. ”Não posso adiantar muito”, começa por dizer, acabando por abrir um pouco o jogo: será uma série documental sobre jornalistas e fotojornalistas em cenário de guerra. “Fomos falar com jornalistas que estiveram em cenários de conflito intenso e vamos procurar contar estes episódios da melhor forma possível”. A série, já baptizada como Viewfinder, terá o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual e será feita em parceria com a produtora Até ao Fim do Mundo.