A ficar sem outras opções, China pode ter na moeda a próxima arma

EUA usam o seu peso nas exportações chinesas como vantagem num conflito comercial que ainda não tem fim à vista.

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Xi Jinping e Donald Trump lideram duas economias em guerra comercial Reuters/THOMAS PETER

A um ataque de 200 mil milhões de dólares, a China respondeu apenas com 60 mil milhões, dando sinais de que pode estar a ficar com poucas opções no conflito comercial com EUA e lançando a dúvida sobre se não estaremos, depois da guerra comercial, prestes a entrar numa guerra cambial.

No início do ano, quando a administração Trump passou das palavras aos actos e anunciou a imposição de taxas alfandegárias mais elevadas em produtos tecnológicos importados da China num valor de 50 mil milhões de dólares (cerca de 43 mil milhões de dólares ao câmbio actual), as autoridades chinesas retaliaram exactamente na mesma medida: taxas mais elevadas sobre importações provenientes dos EUA no valor de 50 mil milhões de dólares. E sem medo da agressividade da estratégia de Trump, prometeram defender olho por olho a posição conquistada pelo país no comércio internacional.

Mas esta terça-feira, depois de no dia anterior os EUA terem subido substancialmente a parada elevando as taxas (agora para 10% e no início do próximo ano para 25%) de produtos chineses no valor de 200 mil milhões de dólares, Pequim respondeu com a subida de taxas em importações de um valor substancialmente menor: 60 mil milhões de dólares.

Este ataque americano e contra-ataque chinês, para além de representarem uma enorme escalada na guerra comercial entre dois dos principais blocos económicos mundiais, tornaram evidente a dificuldade que a China pode ter em, numa guerra comercial baseada apenas na aplicação de taxas alfandegárias, conseguir manter o mesmo ritmo dos americanos.

Ao juntar, aos 50 mil milhões de dólares de produtos já penalizados, os 60 mil milhões desta terça-feira, as autoridades chinesas estão já a visar quase a totalidade dos bens que os EUA exportam para a China.

Do outro lado, pelo contrário, os 250 mil milhões de dólares de produto são aproximadamente metade das importações dos EUA à China. E quando anunciou as novas taxas na segunda-feira, o presidente norte-americano deixou desde logo o aviso: “se a China tomar uma acção retaliatória contra os nossos agricultores ou outras indústrias”, serão aumentadas “imediatamente” as taxas em mais 267 mil milhões de produtos.

Nesse cenário, a China, se não quiser ceder à pressão e aceitar as exigências que estão a ser feitas pela Casa Branca (mais abertura do mercado chinês aos produtos e empresas norte-americanos) terá de recorrer a outro tipo de medidas.

Uma hipótese poderá ser agravar os obstáculos administrativos colocados às empresas dos EUA que queiram fazer negócios com a China. Outra opção é desviar as compras que realiza de produtos como a soja dos EUA para outros produtores. E existe ainda a alternativa mais radical de impedir a saída de produtos feitos na China e que são usados como bens intermédios por empresas importantes dos EUA, como a Apple, por exemplo.

Mas a estratégia que mais está a colocar os mercados na expectativa pode ser a China voltar a usar o valor da sua divisa como forma de tornar as suas exportações mais competitivas. O banco central chinês define, com base nos valores mais recentes, uma taxa de câmbio diária para o iuan face ao dólar, permitindo depois que ocorram variações no mercado nunca superiores a 2% (para cima ou para baixo).

Depois de no passado ter usado a depreciação do iuan para fazer disparar a sua economia, nos anos mais recentes, a China tem seguido uma política de maior respeito pelas forças do mercado e, mesmo desde que os EUA começaram a aplicar uma política proteccionista, não são notórios sinais de intervenção, até porque tal poderia fazer subir a inflação e criar outro tipo de problemas a uma economia que já não se baseia apenas nas exportações. No entanto, há quem tema que, num cenário de confronto total com a administração Trump e, com poucas armas para usar, Pequim deixe mesmo cair o iuan, algo que poderia ter consequências severas para uma enorme variedade de economias, sejam as emergentes, seja a Europa ou o Japão.

Do lado norte-americano, a confiança de que a faca e o queijo estão do lado dos EUA parece no entanto inabalável. A primeira aposta parece ser a de que, tal como foi conseguido com o México e com a Coreia do Sul, a China acabará por ceder perante o peso que o mercado norte-americano tem para a sua economia e assinar novos acordos comerciais. E se Pequim não o fizer, acreditam, a economia mais prejudicada será a chinesa e não a dos EUA, uma ideia que parece estar a ser aceite pelos mercados, tendo a bolsa de Nova Iorque valorizado ao mesmo tempo que os índices bolsistas chineses caíram.

O problema, alertam vários economistas, é que num conflito comercial deste tipo, ter maiores possibilidades de aumentar as taxas das importações, como têm os deficitários EUA, pode não garantir uma vitória, já que a enorme complexidade das relações comerciais mundiais, em que muitas empresas exportadoras norte-americanas dependem das importações chinesas para continuar a exportar, torna as contas muito mais difíceis.

Os grandes actores do comércio internacional limitam-se para já a observar o conflito com medo dos efeitos de contágio que poderão vir na sua direcção. A União Europeia, que conseguiu garantir com a viagem de Jean-Claude Juncker umas tréguas temporárias com os EUA, anunciou esta terça-feira que irá apresentar propostas de reforma da Organização Mundial do Comércio, que tornem esta instituição mais capaz de mediar conflitos como os que estão agora a ocorrer entre os EUA e a China.

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