Novos teoremas matemáticos e grilos altamente proteicos dão prémios a portugueses

Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas celebrou o 30.º aniversário em Dublin, na Irlanda, e quatro estudantes portugueses foram distinguidos com três dos 55 prémios entregues.

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Para estar em Dublin na final do Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas (EUCYS), Francisco Araújo perdeu os primeiros dias de aulas no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, onde é caloiro no curso de Matemática Aplicada e Computação. Quando começou a aventura que lhe valeria a presença e dois prémios no 30.º EUCYS, na capital da República da Irlanda, Francisco, de 17 anos, ainda estudava no lisboeta Colégio Planalto. Apresentou-se a concurso sozinho — sem o acompanhamento de um professor — com um projecto de matemática que tem vindo a desenvolver nos últimos dois anos e venceu um dos segundos prémios, no valor de 5000 euros, e uma distinção honorária que o levará a Estocolmo para assistir à entrega dos prémios Nobel, já no próximo mês de Dezembro. Faltar à primeira semana na faculdade, afinal, valeu a pena.

Nas paredes brancas do stand que ocupou na enorme sala de eventos da Royal Dublin Society, vários posters com equações, cálculos e recortes de notícias; na mesa branca, apenas um computador. O enfoque? “Teorias de comutatividade para grupos e semigrupos.” Uma “propriedade importante da teoria de grupos”, de particular interesse para os matemáticos, explica Francisco, é a comutatividade, segundo a qual a ordem dos operandos não altera o resultado final. Nesta disciplina, continua, “há objectos que podem ser tratados como máquinas”. Coloca-se uma bola de uma certa cor à esquerda, e outra de uma outra cor à direita: o resultado é apenas uma bola. “O meu trabalho prova que se uma série de propriedades se verificarem, é indiferente se pusermos uma bola à esquerda e outra à direita — ou vice-versa”, traduz, de forma simplista, o jovem que “provou novos teoremas”. “A nível de matemática houve um avanço: havia algo que não estava provado e agora está.”

Na família de Francisco, a matemática não é, de todo, um bicho-de-sete-cabeças. O pai é matemático e o irmão, João Pedro Araújo, ficou em primeiro lugar na edição 2014 do EUCYS, que decorreu em Varsóvia, na Polónia. Lá em casa, este é um concurso especial. “Os júris disseram-me que o meu trabalho tinha sido interessante, pensei que talvez houvesse possibilidade de prémio”, confessou Francisco, após a cerimónia de entrega dos diplomas a todos os vencedores no centro de convenções do Castelo de Dublin. “Mas não estava mesmo nada à espera de ir assistir à entrega dos Prémios Nobel.”

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Francisco Araújo não foi o único português a concurso no EUCYS. Ao jovem universitário juntaram-se outros cinco portugueses, de duas escolas: o Colégio Luso Francês, no Porto, e o Agrupamento de Escolas D. Maria II, em Braga. As três equipas venceram a 12.ª Mostra Nacional de Ciência — que teve lugar na Alfândega do Porto entre os dias 31 de Maio e 2 de Junho últimos, organizada pela Fundação da Juventude — e representaram Portugal junto de mais 85 equipas de 39 países e escolas europeias, num total de 136 concorrentes. Aos 25 Estados-membros da União Europeia (UE) presentes acrescem outros países, vizinhos e parceiros como o Canadá, a China, Israel ou os Estados Unidos, com os quais existe colaboração científica. “O EUCYS é um microcosmos da comunidade de investigação na Europa, mas estamos a reproduzir esse corpo. E cada vez mais encorajamos a colaboração internacional”, sublinha Karen Slavin, responsável da Comissão Europeia para os projectos de divulgação científica e para a organização do EUCYS.

Grilo, o alimento vencedor

Mas os prémios portugueses não se ficaram pela “matemática pura” de Francisco Araújo. Para encontrar a equipa do Luso-francês — composta por João Leite, Mário Ribeiro e Catarina Brandão, sob orientação de Rita Rocha, professora de Biologia —, bastou seguir dois sons: o dos grilos e o dos risos. O “stand dos grilos”, como ficou conhecido no concurso, foi um dos mais populares entre os outros concorrentes e os muitos estudantes irlandeses, de várias idades, que visitaram a Royal Dublin Society e se atreveram a provar os animais, já secos e prontos a comer.

É que João, Mário e Catarina — todos com 18 anos e já inscritos no ensino superior — estudaram a utilização do grilo doméstico (Acheta domesticus) como fonte de proteína nas dietas animal e humana e passaram os dias do EUCYS a convencer, com sucesso e entre muitos risos e alguns gritos, jovens e adultos a experimentarem o insecto. A popularidade e a relevância do projecto de sustentabilidade alimentar, Entofarm.pt, não passou despercebida aos 20 elementos do júri e os três portuenses receberam um dos prémios honorários, o Cargill Prize. Vão conhecer Vilvoorde, na Bélgica, onde se localiza o centro de investigação e desenvolvimento da Cargill, uma multinacional que opera no sector alimentar, agrícola e de nutrição.

A entomofagia (consumo de insectos) pode ser, como tem vindo a ser salientado por diversos especialistas e organizações nos últimos anos, a “solução para o problema do aumento da população mundial”. Mário Ribeiro fez questão de sublinhar este facto, enquanto segurava um frasco com grilos e enumerava as vantagens desta opção, tanto a nível ambiental como alimentar. “A produção de insectos gera 80% menos metano do que a produção convencional de gado e perto de 80% de todos os componentes do corpo de um grilo podem ser transformados em proteína absorvível”, explicou. “Sabia que em cada 100 gramas de farinha de grilo, 70 são proteína pura?”

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Um concurso — que já não é só europeu — com 30 anos

Enquanto aguardavam pelas entrevistas com os membros do júri, que visitavam as equipas várias vezes durante os dias da competição para esclarecer pormenores e pôr à prova os conceitos, os estudantes aproveitavam para conhecer os colegas de corredor, aperfeiçoar a língua inglesa e estudar a concorrência. João Dinis e Ana Raquel Moreira, do Agrupamento de Escolas D. Maria II, centraram-se em dados recentes do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) sobre ondas gravitacionais e estabeleceram correlações entre forças gravitacionais e electromagnéticas, através de análise de dois eventos: “a colisão de dois buracos negros e a colisão de duas estrelas de neutrões, em 2015 e 2017”, respectivamente, explicou Ana Raquel. Os alunos de Braga, que estiveram acompanhados do professor João Vieira, não integraram a lista dos 55 prémios atribuídos, mas tão cedo não esquecem os cinco dias passados em Dublin.

O pódio da competição foi ocupado por aspirantes a cientistas alemães e canadianos, cada projecto com direito a 7000 euros. Os irmãos Adrian e Anna Amelie Fleck apresentaram uma protecção corporal desenvolvida a partir de fécula, na Alemanha. Nicolas Fedrigo, do Canadá, idealizou uma nova sonda capaz de prevenir lesões vertebrais, e o seu compatriota Brendon Matush criou uma veículo autónomo que utiliza redes neurais.

Desde 1989, ano da primeira edição do Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas, já foram entregues mais de 800 prémios a mais de 3000 concorrentes, europeus mas não só. À engenharia e à computação, categorias populares neste 30.ª edição, juntam-se outras oito (biologia, química, ambiente, matemática, materiais, medicina, física e ciências sociais) e os estudantes são convidados a explorar a ligação entre as várias áreas. Foi o que fez a italiana Lina Tomasella, há 30 anos, quando venceu a primeira edição com um projecto de biologia. Nessa altura, recordou a astrofísica do Observatório Astronómico de Itália, “os trabalhos eram mais simples”. Viajou, pela primeira vez, até ao estrangeiro — a final foi em Bruxelas, na Bélgica — e percebeu aí “que queria ser cientista”. Agora, 30 anos depois, integrou a equipa de júris.

A jornalista viajou a convite da Fundação da Juventude

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