Taxa Robles: o que há num nome?

O CDS fez uma coisa muito simples, mas brutalmente eficaz: baptizou a proposta com o nome da pessoa que a proposta queria fazer esquecer.

Talvez pelas suas origens cristãs, o CDS é bom a baptizar coisas. Já lhe devemos a palavra “geringonça” (quem a usou pela primeira vez em contexto político foi Vasco Pulido Valente, mas para retratar a guerra entre Costa e Seguro pela liderança do PS – quem a popularizou no Parlamento para designar a actual solução de governo foi Paulo Portas), e agora acertaram mais um tiro no porta-aviões com o viperino baptismo da “Taxa Robles”. O senhor Shakespeare perguntava “what’s in a name?” num dos diálogos mais românticos de Romeu e Julieta, já que “uma rosa com outro nome cheiraria igualmente bem”. Mas como Romeu Montecchio aprendeu à custa da própria vida, um nome conta mesmo muito, e não há como desembaraçarmo-nos dele. Por causa disso, Romeu morreu, a taxa Robles também, e o Bloco de Esquerda já viu melhores dias.

Para quem aprecia política, é educativo ver como duas simples palavras escolhidas com precisão podem arrasar um projecto e fazer implodir toda uma estratégia. O CDS fez uma coisa muito simples, mas brutalmente eficaz: baptizou a proposta com o nome da pessoa que a proposta queria fazer esquecer. O nome pegou de imediato, não só à direita mas também à esquerda, e assim os outros partidos voltaram a ridicularizar o pobre Bloco, que não acerta uma, mesmo quando munido da pia intenção de tentar penitenciar-se pelos erros cometidos. Não é possível saber o quanto este caso vai penalizar eleitoralmente o partido de Catarina Martins, mas a facilidade com que a sua antiga superioridade moral é agora desmontada não augura nada de bom.

Vejam a entrevista que Mariana Mortágua deu ao Expresso. Ela não poderia ter sido mais violenta para com Ricardo Robles. “Este caso mostrou que o BE tem enormes padrões de exigência. E os seus representantes têm a grande responsabilidade de estar à altura dessas exigências que são legais e éticas, mas também de coerência. O Ricardo Robles não esteve à altura dessas exigências.” O problema é que não foi só Ricardo Robles. Na altura em que o Bloco ainda estava a proteger o seu vereador, Mariana Mortágua foi à SIC Notícias defendê-lo muito para lá do que seria aceitável, num debate com Adolfo Mesquita Nunes. E Francisco Louçã afirmou no mesmo canal que Robles tinha tido “a sorte da sua vida” por o PSD estar a exigir a demissão, classificando o caso como “uma forma de entretenimento de fim de Julho”. Na sexta-feira em que foram prestadas estas declarações, dia 27 de Julho, o Bloco perdeu para sempre a mais-valia da sua integridade ética.

As palavras têm grande importância no mundo da política, como é óbvio, mas elas são particularmente fundamentais em partidos estruturados em cima da retórica. Ao contrário de todos os outros partidos parlamentares (com a ilustre excepção do PAN), o Bloco não tem uma história de acção política, no sentido de meter as mãos na massa para tomar decisões executivas sobre a vida das pessoas. O PCP teve o PREC e tem as câmaras da Margem Sul. O PS, o PSD e o CDS já foram várias vezes partidos de governo. O Bloco nunca teve nada disso, excepto uma câmara (Salvaterra de Magos) que não correu especialmente bem. Desde sempre, a única coisa que o Bloco tem para mostrar é a destreza da sua língua. O caso Robles, e agora a taxa Robles, doem muito mais por causa disso. Como a acção do partido se resume ao discurso, quando a acção contradiz o discurso sobra muito pouco. Daí esta dificuldade imensa em reencontrar o caminho, após o mais quente dos seus Verões.

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