Se fosse para aumentar o salário mínimo, António Costa até podia ir de cuecas

Parece que, ultimamente, as nossas interrogações são impulsionadas por uma espécie de estupidificação ou alienação a que somos todos os dias induzidos. Preocupações de quem não sabe ou não quer saber quanto é que representa o salário mínimo num dia de um português

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LUSA/AMPE ROGÉRIO

Eis que se levanta uma indignação nacional pelo traje ligeiro com que António Costa se apresentou na sua chegada a Angola para a visita oficial a este país. Eis que, mais uma vez, são agitadas bandeiras rotas que, apesar dos rasgões, não deixam raiar o sol. Os dedos carregam enraivecidos os teclados, certamente gastos, para fazer brotar uma ira virtual que a todos importa e diz respeito: a indumentária do nosso chefe de governo. Será que umas calças de sarja não teriam ficado melhor? E gravata? De que cor? Com ou sem casaco? Com ou sem chapéu? Irá mergulhar no mar africano como Marcelo ou será que não?

Parece que, ultimamente, as nossas interrogações são impulsionadas por uma espécie de estupidificação ou alienação a que somos todos os dias induzidos por aqueles a quem não convém que se fale daquilo que verdadeiramente importa.

Parece que nos esquecemos que, todos os dias, centenas de milhares de portugueses sobrevivem com o salário mínimo sem ter grande opção em relação ao seu vestuário. São preocupações de quem não sabe ou não quer saber quanto é que representa o salário mínimo num dia de um português. Pois então eu digo: 19 euros.

Significa isto que, boa parte do povo vive limitado à quantia de 19 euros por dia. É chocante, não é? Parece quase impossível conseguir pagar a escola dos filhos, alimentação, vestuário, casa, carro, combustível, cultura, água, luz ou gás com esta quantia quase tão irrisória, como os argumentos esgrimidos por quem defende insistentemente que o salário mínimo não pode aumentar. Seria uma desgraça, dizem eles.

A vida mostra que a subida do salário mínimo constitui um factor determinante para o crescimento do consumo e, consequentemente, da economia. Aliás, os últimos anos assim o têm demonstrado.

A maior central sindical do país – CGTP-IN – reivindica um salário mínimo de 650 euros para o início de 2019. Será assim tão despropositado? Com essa subida os trabalhadores poderiam contar com cerca de 21 euros por dia. Longe do ordenado justo a que têm direito e lhes é reiteradamente negado, é um bom começo para restituir o poder de comprar que foi roubado às expensas de uma crise que ainda ninguém entendeu muito bem. Não estará na hora, de uma vez por todas, de começar a valorizar aqueles que vendem a sua força de braços, o seu tempo e uma parte significativa da sua vida por uns míseros trocos, e restituir a dignidade que lhes é inerente? Creio que continuamos a perpetuar um sistema de baixos salários e exploração que, quanto mais suga o tutano das suas vítimas, mais lhe toma o gosto. Enquanto que os patrões, além das mais valias com que forram as suas contas, são também detentores dos meios de produção, os trabalhadores nada mais têm para vender do que a sua força de trabalho. Tendo em conta que esta é única oferta dos trabalhadores e sendo a sua procura tão grande, não deveria ser o preço muito maior?

Não há nada como a realidade concreta para nos elucidar do que falamos: um quilo de costeletas de porco custa, em média, três euros, o que significa que um trabalhador que aufira o salário mínimo nacional terá de trabalhar uma hora para o conseguir comprar.

Se permitisse a subida extraordinária do ordenado mínimo, por mim, António Costa até podia aparecer em cuecas.

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