"Marquês", o seguro de Joana Marques Vidal

Quando a discussão em torno da recondução da procuradora-geral se polariza politicamente, deixa de haver espaço para uma análise serena do seu mandato e da virtude de o renovar.

Em todo o sistema judicial só existe um único cargo sujeito a designação pelo poder político. Mais: essa pessoa pode ser proveniente de qualquer área profissional e nem sequer está sujeita a especiais requisitos de formação. Esse cargo é o do topo da pirâmide do Ministério Público (MP), o de Procurador da República que assenta na dupla confiança do Presidente da República e do Governo.

Isso quer dizer que qualquer um dos leitores pode ser a próxima escolha para liderar o Ministério Público (MP), mas é pouco provável que isso possa acontecer. O mais certo é que tudo fique na mesma e Joana Marques Vidal seja reconduzida no cargo.

Se o legislador estabeleceu um carácter único para este cargo é porque quis fugir à lógica corporativa dos magistrados, criando aqui um elo de ligação entre a política e o sistema judicial. Mesmo tendo presente que nunca o poder político fugiu do roteiro bem-comportado de nomear um magistrado, temos de aceitar como natural a discussão política em torno de um cargo de nomeação política. Não há aqui nenhum problema de ingerência entre poderes.

Mas, infelizmente, quando a discussão em torno da recondução da procuradora-geral se polariza politicamente, deixa de haver espaço para uma análise serena do seu mandato e da virtude de o renovar. Dificilmente se está a caucionar a capacidade do MP de afrontar os poderes públicos se isso está dependente de alguém cumprir 12 anos de mandato (e porque não 18?) e a janela para questionarmos os abusos do MP fecha-se também com estrondo.

O elefante na sala continua a ser “o caso Marquês” e foi aqui que ele nos conduziu. A direita usa-o para avivar um dos piores momentos da esquerda tentando por pressão em António Costa que habilmente deverá aproveitar o momento para ainda se afastar mais dele. Especialista em vencer parecendo que perde, o primeiro-ministro não deverá ter muitos problemas em reconduzir Marques Vidal, com quem não teve grandes casos no seu mandato e em fazer ouvidos moucos a uma ala do PS que é claramente reduzida.

Se o mundo fosse perfeito os efeitos benéficos do mandato de Marques Vidal continuariam sem ela e uma mudança serviria para tentar ir atenuando os defeitos de uma máquina judicial que ainda continua a dever muito a uma boa Justiça. Mas como não é perfeito vai bastar assim.

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