Morreu o filósofo Paul Virilio

Filósofo e urbanista francês morreu no dia 10, aos 86 anos, mas a família só esta terça-feira anunciou a sua morte. Com as suas pioneiras reflexões sobre a aliança entre velocidade, tecnologia e política, a obra de Virilio mostra o lado negro do admirável mundo cibernético.

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Paul Virilio nasceu em 1932 e morreu aos 86 anos Ulf Andersen/Getty Images

“Não sou um revolucionário, sou um revelacionário”, dizia Paul Virilio, sublinhando que não pretendia travar o progresso ou banir a Internet, mas apenas mostrar os riscos que cientistas, políticos e financeiros insistem em ignorar e ocultar, de uma eventual catástrofe informática que lance o mundo no caos à possibilidade de o Grande Colisor de Hadrões da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) poder criar um buraco negro que engula o planeta.

Filósofo, arquitecto, urbanista, activista social, Paul Virilio morreu no passado dia 10, mas a família, respeitando a sua vontade, organizou o funeral, que decorreu esta segunda-feira, “na mais estrita intimidade” e só depois anunciou o falecimento do pensador.

Num comunicado divulgado esta terça-feira, a sua filha Sophie Virilio adianta que, poucos dias antes de morrer, o filósofo trabalhava ainda num livro a publicar com o historiador da ciência Jacques Arnould e “sonhava com uma nova exposição” na Fundação Cartier, onde apresentara em 2008, com Raymond Depardon, Terre Natale, Ailleurs commence ici, mas que já acolhera também em 2002 a sua pioneira mostra dedicada às catástrofes provocadas por invenções humanas, Ce qui arrive, que ele próprio encarava como um primeiro passo para a criação de um Museu do Acidente.

Um dos aspectos centrais da obra de Paul Virilio é a exigência de uma ciência responsável, que tome em consideração os acidentes que pode provocar. “Uma investigação que não investigue a sua catástrofe, não investiga, é uma espécie de fé absoluta no progresso”, sublinhou o filósofo numa entrevista de 2011 à revista Science et Avenir, argumentando com o exemplo da ecologia: “Não é só após séculos de consumo de energias fósseis que nos devemos pôr a questão da poluição do meio ambiente”.

Filho de um comunista italiano e de uma católica francesa, Paul Virilio nasceu em Paris, em 1932, e a sua infância ficou marcada pelos bombardeamentos da segunda Guerra Mundial, que testemunhou em Nantes. Uma experiência que contribuiu para a sua aguda consciência da fragilidade de um mundo urbano cuja solidez tendemos a dar por garantida.

Com formação de vitralista obtida na École des Métiers d’Art de Paris – tem trabalhos em várias igrejas francesas –, estudou depois com Raymond Aron e com o filósofo e musicólogo Vladimir Jankélevitch na Sorbonne e colaborou com artistas como Henri Matisse ou Georges Braque.

Mobilizado para a guerra da Argélia, as questões militares manter-se-ão sempre como um dos seus temas de reflexão. Em 1958 desenvolve mesmo um estudo sobre os bunkers nazis construídos durante a Segunda Guerra ao longo da costa ocidental europeia, da fronteira franco-espanhola à Noruega.

No início dos anos 60, Virilio funda com Claude Parent o grupo Architecture Principe e publica o manifesto Fonction Oblique, que terá um significativo impacto na arquitectura francesa da época e que postulava “o fim da vertical como eixo de elevação e o fim da horizontal como plano permanente, em benefício do eixo oblíquo e do plano inclinado”. A igreja de Sainte- Bernadette du Banlay, em Nevers, construída em 1966, é uma das mais conhecidas concretizações destes princípios.

Professor na École Spéciale d'Architecture de Paris, que dirigiu entre 1972 e 1975, ajudou a formar alguns dos mais importantes arquitectos franceses actuais, incluindo Jean Nouvel. Mas são as suas sombrias reflexões sobre o novo mundo criado pelas tecnologias digitais, expostas em dezenas de livros, que tornarão Paul Virilio um autor conhecido e discutido mundialmente. Alguns dos seus ensaios estão traduzidos em português, como A Inércia Polar (1990), A Velocidade de Libertação (1995) ou Cibermundo: A Política do Pior (1996), um livro de entrevistas com Philippe Petit.

Comunismo dos afectos

Um dos aspectos centrais do pensamento de Virilio é a ideia de que a velocidade é uma categoria crucial para se compreender o mundo contemporâneo, e que a sua violência e o seu poder de organização da sociedade continuam a ser largamente subestimados, pelo que procurou lançar as bases de uma futura ciência da velocidade, que apelidou de dromologia, inspirando-se no termo grego para corrida: “dromos”.

O recurso a neologismos é, aliás, recorrente na sua obra. Inventou, por exemplo, o termo “géocide” para ilustrar a sua teoria de que uma das características do presente é o desaparecimento dos lugares, a substituição da geodiversidade por um ciberespaço que funciona como uma espécie de sexto continente, uma “colónia virtual” onde todos vivemos “uma vida de substituição”. Na actual “cronopolítica” – outro conceito seu –, o tempo, argumenta Virilio, levou a melhor sobre o espaço. Daí que, ao contrário de Fukuyama, que previra o fim da história, decrete “o fim da geografia”.

Mas este tempo vitorioso é o tempo das máquinas, o tempo velocíssimo dos computadores que regulam, por exemplo, as transacções bolsistas, um “instantaneísmo” que destronou o tempo humano e nos tornou dependentes de máquinas e algoritmos. O risco deste tempo, que “já não tem nada a ver com o tempo da responsabilidade e da razão”, alerta Virilio, é o de os meios técnicos permitirem um novo tipo de totalitarismo, “uma opressão sem tirano”.

Considerando-se um progressista e um admirador da ciência e da tecnologia, o que censura aos cientistas é “não olharem ao mesmo tempo para as consequências potenciais do seu trabalho”, quando a experiência histórica demonstra que inventar um objecto ou uma substância implica necessariamente inventar também os respectivos acidentes e catástrofes. “A invenção do barco foi também a invenção do naufrágio”, argumenta, sugerindo que se deveria criar uma “universidade do desastre” para estudar e tentar impedir as potenciais consequências negativas da ciência. E num mundo onde tudo está interligado, sublinha, os acidentes ameaçam ser também eles planetários, como o seria, por exemplo, um problema grave com a Internet. 

E o filósofo não se deixava também impressionar excessivamente pelas facilidades de comunicação entre pessoas de todo o mundo que as novas tecnologias vieram trazer. O mundo sem fronteiras da comunicação de massas e das redes sociais parece-lhe, pelo contrário, um lugar claustrofóbico. “Sincronizar as emoções de milhões de pessoas num mesmo momento é um poder de condicionamento que só as religiões tinham”, observa na entrevista à Science  et  Avenir. E avisa: "A possibilidade de um comunismo dos afectos é um novo género de tirania”.

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