O ensino público e o nosso futuro coletivo

A escola pública (não necessariamente gerida pelo Estado) desempenha um papel essencial no desenvolvimento do país.

O Relatório Delors, de 1996, enunciou quatro grandes pilares para a aprendizagem: aprender a saber/conhecer; aprender a fazer; aprender a ser; aprender a viver em comunidade. As tarefas educativas encontram-se repartidas entre as famílias (em especial, os pais) e a comunidade. Nas democracias modernas, a comunidade promete a todos acesso ao sistema de ensino, assente nesses quatro pilares, independentemente da sua origem socioeconómica ou cultural. Cumprir esta promessa é essencial para o desenvolvimento individual de cada um e para a nossa prosperidade coletiva.

As escolas devem promover a liberdade individual, fomentar a igualdade de oportunidades e promover a mobilidade social. Devem ser locais onde é fomentada a paixão pelo conhecimento e pelo saber. Onde os alunos são incentivados, todos os dias, a pensar e a experimentar, a perceber e a interligar as diversas matérias que estudam, e a entender a sua relevância. O objetivo último deve ser formar pessoas completas, cidadãos com cultura geral, preparados para intervir civicamente (com benefício evidente para o próprio aluno, mas também para a comunidade em geral). Assim, os alunos devem estudar e discutir uma grande multiplicidade de matérias (sem especializações precoces), e devem ser incentivados a expandir horizontes e a conviver com a diversidade, através de visitas de estudo, e outras atividades vocacionadas para o efeito.

Os alunos devem ser respeitados, responsabilizados e tratados como pessoas responsáveis. A observação e a curiosidade devem ser estimuladas. As suas dúvidas devem ser acarinhadas e incentivadas. O pensamento próprio e crítico, a resiliência e a capacidade para debater ideias com civismo devem ser incutidos desde cedo, e trabalhados de acordo com o nível etário do aluno. A avaliação nas escolas deve ser contínua, formativa e sistemática, complementada por avaliação externa, e incentivar a aquisição contínua de conhecimentos. Os alunos não devem ser infantilizados nem estereotipados e o nível de exigência deve sempre ser elevado (o que é especialmente relevante para aqueles que não recebem das famílias o apoio que deveriam). Devem ser constantemente desafiados, incentivados a explorar as matérias abordadas, e a melhorar o seu desempenho, e também a descobrir, conhecer e explorar os seus próprios interesses. Todos os alunos, sem exceção, devem ser incentivados e motivados a melhorar, e a terminar com sucesso os seus estudos.

Os professores devem ter os conhecimentos, o respeito e a autoridade necessários para liderar e catalisar o processo de aprendizagem dos alunos. Devem fomentar uma cultura de respeito em toda a comunidade escolar, o que implica ter a capacidade efetiva de lidar adequadamente com alunos disruptores. Os professores devem ter formação de base muito avançada na matéria que pretendem lecionar, ser selecionados, avaliados e promovidos com base no respetivo mérito, o que deve ser relacionado com a capacidade de efetivamente promoverem o desenvolvimento dos seus alunos. É importante olhar para a distribuição dos salários dos professores ao longo da carreira, e promover uma formação contínua de qualidade dos professores, de forma a atrair pessoas conhecedoras, empenhadas e aplicadas para a profissão, e para fomentar que os professores se mantenham atualizados quanto às melhores formas de ensinar as respetivas disciplinas.

As escolas devem ter as condições físicas para promover a aprendizagem. Não nos podemos esquecer das denúncias da má qualidade da alimentação fornecida nas escolas, das escolas em que chove dentro da sala de aula ou das escolas que se debatem com falta de pessoal auxiliar. Não nos podemos esquecer que, neste momento, se um professor por acaso faltar, não há necessariamente um professor substituto disponível, ou que uma aula que dure 90 minutos pode ser demasiado longa para permitir prender a atenção dos alunos, dificultando assim a aprendizagem. Deveríamos também discutir, com a profundidade devida, a duração das férias de verão. Importa estudar em que medida três meses sem escola contribui para o esquecimento do que foi aprendido no ano anterior e aumenta os custos de entrada no ano seguinte, e também se dificulta o cabal cumprimento do programa (sendo importante garantir, concomitantemente, que os programas dos vários anos e dos vários ciclos são desenhados de forma integrada, e que promovem a aquisição de conhecimento em espiral).

É preciso diminuir fortemente os custos excessivos (e regressivos, dado que afetam desproporcionadamente as famílias mais pobres) com livros e material escolar (como cadernos de atividades). Subsidiar a compra desse material não resolve o problema de base: é importante promover a concorrência entre editoras, a existência de manuais com duração para todo o ciclo (e não apenas para um determinado ano), e a possibilidade efetiva de reutilizar manuais antigos, ou até mesmo facilitar a não utilização de manuais escolares obrigatórios. Pode ponderar-se, neste contexto, se os professores e as escolas dispõem de um grau de autonomia adequado na escolha do material didático utilizado. Deve também enfrentar-se devidamente a necessidade sentida pelas famílias (que podem, e em prejuízo das mais pobres) de contratar explicadores para os seus filhos, promovendo que a escola seja capaz de acompanhar, o mais possível, cada aluno ao seu ritmo, nas diversas disciplinas, disponibilizando apoio a quem dele necessite (seja para melhorar a sua prestação, seja para estimular aqueles com melhor desempenho).

É fundamental fomentar um forte sentimento de comunidade escolar, com envolvimento dos alunos, dos professores, das direções, do pessoal auxiliar, e das famílias. Para o efeito, é importante a autonomia das escolas (incluindo na escolha dos professores), e a descentralização efetiva do tratamento dos temas relativos ao ensino (de preferência, enquadrada numa verdadeira reforma descentralizadora do Estado português), bem como a promoção da variedade de oferta dentro da escola pública. Em todo o caso, é importante assegurar a diversidade dos alunos nas escolas públicas, o que significa repensar a forma de alocação dos alunos às escolas. Neste contexto, pode ser ponderado atribuir às famílias maior liberdade de seleção das escolas (possivelmente dotando as escolas de transporte para famílias com maiores dificuldades financeiras), e estas devem ser chamadas e encorajadas a participar na atividade escolar de forma regular (através da participação em eventos escolares vocacionados para o efeito, e através das associações de pais), bem como a envolver-se na aprendizagem dos filhos e na promoção de melhores condições nas escolas.

A valorização generalizada do conhecimento e do saber, da ponderação e da resiliência tem impactos positivos relevantes para os próprios, que se tornam cidadãos cultos e versáteis, e para a comunidade. Neste contexto, convém lembrar o relatório sobre os resultados das provas de aferição [1], em especial quando este fala em dificuldades de raciocínio e de interpretação: não basta pôr os alunos a memorizar e a repetir o que lhes dizem, é preciso pô-las a pensar por si, a saber aplicar o que aprendem de forma inovadora, e a ter opiniões próprias. E convém não esquecer o relatório da OCDE [2] que refere que uma família pobre portuguesa pode demorar cinco gerações a conseguir atingir o salário médio português (já de si baixo, no contexto da OCDE). 

A escola pública (não necessariamente gerida pelo Estado) desempenha um papel essencial no desenvolvimento do país. Deve ser um investimento prioritário, e muito há a debater. A discussão sobre os salários dos professores, além de dever ser integrada numa discussão mais alargada sobre os salários pagos pelo Estado, deve ser integrada numa discussão séria sobre a avaliação e a carreira dos professores, e numa discussão alargada sobre o ensino em Portugal. Apenas olhando holisticamente para o tema poderemos chegar a conclusões justas, que promovam uma efetiva melhoria das condições de aprendizagem para os alunos, com impacto muito relevante para o nosso futuro coletivo. E é isso, verdadeiramente, que está em causa.

[1] “Relatório Nacional 2016 – 2017. Provas de Aferição. Ensino Básico”, IAVE, maio de 2018
[2] “A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility.”, OCDE, junho de 2018

O autor escreve segundo do novo Acordo Ortográfico 

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição

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